‘Os infiltrados’: concursados foram eliminados por ligação com facções, revela governador

Clécio Luís participou de um encontro como presidente Lula e afirmou que apoia a PEC da Segurança Pública, mas pediu cautela quanto à sobreposição de atuação das polícias.
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Por ELDER DE ABREU

A luta contra o crime organizado – debate reaquecido esta semana pela proposta do governo federal em criar um Sistema Único de Segurança Pública – destacou que o Amapá corre o risco de vivenciar sua própria versão do aclamado drama policial Os Infiltrados, de Martin Scorsese.

Mesmo longe de performances premiadas como a do astro Matt Damon, que na trama cinematográfica interpreta um oficial infiltrado pela máfia na polícia, atores quase efetivos do estado também estão sendo descobertos num traiçoeiro roteiro da vida real: entre os aprovados em concursos públicos estão pessoas ligadas a facções.

Foi exatamente o que afirmou o governador do Amapá, Clécio Luís (SD), em entrevista a uma rádio local. Segundo ele, o crime organizado tenta se infiltrar de várias formas na estrutura oficial e organizacional do estado.

Depois das eleições municipais terem sido marcadas por candidatos a vereador suspeitos de envolvimento com facções tentarem cadeiras no parlamento da capital amapaense, agora alguns concursados foram descobertos durante as fases de investigação social. Eles foram eliminados do certame devido a fortes indícios de relações com esses grupos criminosos.

Reunião dos governadores com o presidente Lula apresentou a PEC da Segurança Pública. Foto: Ricardo Stuckert/PR

“As facções no Amapá estão tentando ocupar espaços institucionais através dos concursos públicos. Muitos candidatos aqui foram desclassificados na pesquisa social, pois as facções tentaram infiltrar os seus através dos nossos concursos”, revelou o chefe do executivo estadual.

A declaração foi dada durante entrevista que explanava sobre a reunião entre os governadores e o presidente Lula (PT), ocorrida na quinta-feira (31). Nela, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, elaborada pelo Ministério da Justiça.

Lula evidenciou no encontro a mesma preocupação do governante amapaense com relação à contratação de concurseiros e à eleição de candidatos suspeitos.

Lula: “Logo, logo, o crime organizado vai estar indicando juiz, vai estar indicando procurador, vai estar indicando político”

“Logo, logo, o crime organizado vai estar indicando juiz, vai estar indicando procurador, vai estar indicando político, vai estar indicando candidato. Essa é uma coisa quase que incontrolável se a gente não montar um pacto federativo que envolva todos os Poderes da federação, todos os Poderes que estão envolvidos direta e indiretamente nisso”, declarou o presidente, que citou nominalmente o PCC e o Comando Vermelho – duas facções nacionais que têm ‘afiliadas’ no Amapá: as organizações criminosas FTA e a APS, respectivamente, rivais que disputam o controle do tráfico e de comunidades com eleitores vulneráveis.

Para defender a PEC, Lula afirmou que cada governador tem “seus problemas e suas soluções”, mas que é preciso criar um pacto comum. Por isto, o governo quer instituir um Susp (Sistema Único de Segurança Pública). Dentro dessa proposta há pontos em que os governadores divergem do Planalto, a exemplo da “simetria às polícias nacionais e estaduais”. A ideia dessa medida contida na PEC é que a União tenha, assim como os estados, forças de polícia judiciária (como a Civil) e ostensivas (como a Militar). Na prática, é como dar poder de Polícia Militar à Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo.

Os governadores reconheceram a oportunidade do debate, mas também fizeram ponderações sobre a proposta. Clécio Luís foi um deles.

Clécio: “é preciso que vejam com cuidado a sobreposição de atuação das polícias, das forças de segurança”

“De fato, cada estado, presidente, tem uma realidade que se apresenta diferente, então vai ter que ter uma ação diferente. E daqui pode sair a solução dosada para cada realidade. Concordo com a nacionalização do debate, de federalização de ações, de mudança de legislação, do pacto federativo contra o crime organizado, de um Sistema Único da Segurança Pública, mas também é preciso que vejam com cuidado a sobreposição de atuação das polícias, das forças de segurança. Isto tem que ser visto com muita cautela para que não haja a sobreposição, e ao invés de ser uma solução, acabe sendo mais um problema para a segurança pública”, analisou o governador do Amapá ao presidente Lula.

Infiltrados

Dois exemplos emblemáticos de tentativa de infiltração do crime organizado através dos canais de acesso legal ao poder estadual citados por Lula e Clécio – as eleições e os concursos públicos – são investigados no Amapá.

No caso mais recente, o candidato a vereador de Macapá pelo PSD, Luanderson de Oliveira Alves, o ‘Caçula’, foi preso acusado de pertencer à facção Família Terror do Amapá (FTA). Ele passou boa parte do período eleitoral sendo procurado pela Polícia Federal. Caçula se entregou no dia 7 de outubro, um dia depois da votação, após saber que não tinha sido eleito.

Segundo as investigações da Operação Herodes, a organização criminosa estaria financiando a campanha de Caçula e também ajudando a coagir moradores do Habitacional Macapaba, onde moram mais de 35 mil pessoas, a votarem nele.

Ex-candidato a vereador Caçula ainda está preso no Iapen

Arma da PM, que o soldado passou para memebro de facção

Outro caso é do soldado da Polícia Militar, Claudimiro da Costa Silva, preso em flagrante na noite do dia 21 de agosto sob suspeita de fornecer armas para a facção Amigos Para Sempre (APS), na cidade de Santana, a 17 km da capital.

Assim como o agente Colin Sullivan, personagem de Matt Damon no thriller de Scorsese, Claudimiro foi recrutado e treinado para defender o estado. No entando, no melhor estilo “a vida imita a arte”, ele se tornou suspeito de quebrar o juramento que fez quando foi formado policial, 6 meses antes de ser visto por uma patrulha do GTA entregando uma pistola Glock para Jhon Cleiton, o “Jhon Jhon”, membro da APS. A arma é de propriedade das forças de segurança. Nela estão cravados os brasões da PM e das Armas do Brasil.

Tanto Caçula quanto o soldado Claudimiro seguem encarcerados no sistema penitenciário do Amapá. Enquanto a justiça não se pronuncia sobre o destino deles, a tensão no estado só aumenta, igualmente ao enredo do vencedor do Oscar em 2007 – melhor filme e melhor diretor.

Seles Nafes
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