‘Vício’ do empréstimo consignado, falência e depressão

No Amapá, já temos uma população de servidores falida e com sérios transtornos mentais
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Por SELES NAFES, jornalista

Uma vez, vi, numa fila de espera nos Capuchinhos, uma mulher de meia-idade muito bem-vestida e elegante. Nada a ver com preconceito, mas percebi que ela não tinha o perfil social da maioria que aguardava atendimento médico. Os Capuchinhos são dedicados a pessoas pobres. Eu não sabia, mas o caso daquela mulher era exatamente esse: pobreza financeira.

Não que a paciente não tivesse emprego ou casa própria. Ela estava super endividada graças a empréstimos consignados, segundo ela própria revelou informalmente a funcionários no momento de preencher uma ficha de atendimento.

Questionei uma funcionária a respeito, e ela me explicou que se tratava de uma servidora pública do Estado — um público cada vez mais presente nos balcões de atendimento, não apenas dos Capuchinhos, mas também da rede pública de saúde.

Dados do próprio governo do Amapá, de 2024, confirmam que cerca de 80% dos servidores estaduais estão endividados com empréstimos consignados. E a situação só tende a piorar de forma geral. A partir de março, os trabalhos CLT também foram autorizados a solicitar empréstimos consignados, mesmo os que têm o nome ‘sujo’.

No Amapá, a presença dessa modalidade de financiamento é perceptível a todos, até mesmo para quem não é funcionário público. Empresas de crédito anunciam nas redes sociais, emissoras de televisão e rádio, sempre destacando vantagens e soluções para problemas financeiros. Os grandes bancos também transformaram o acesso fácil ao dinheiro em uma indústria altamente rentável. E esse nem é o principal fator para a regressão dos servidores na escala social.

Os bancos não se limitam a anunciar. Eles fazem busca ativa — principalmente por telefone. Essas empresas têm acesso a informações privilegiadas e sabem quando o servidor tem margem no contracheque para pedir um novo empréstimo. O resultado: servidores com oito e até mais de dez empréstimos consignados atrelados aos salários. Em média, serão 10 anos pagando prestações.

Antes de tomar um empréstimo consignado, é preciso ter um bom motivo

Fraqueza

A culpa não é apenas dos bancos de empréstimos. A falta de inteligência financeira dos próprios servidores, pensionistas e aposentados ajuda a engrossar as estatísticas de endividamento.

Por outro lado, o empréstimo consignado pode ser uma solução útil para quem deseja investir, seja com a entrada na casa própria, construção, comprar um veículo ou implantação de energia solar (se os juros forem mais baixos que os da concorrência). O problema surge quando o crédito é utilizado apenas para viagens a passeio, compras fúteis ou somente para manter dinheiro disponível na conta ao fim do mês, criando uma falsa sensação de segurança financeira. Esses ingredientes fazem parte de uma “bolha” que, inevitavelmente, vai estourar.

Em países mais desenvolvidos, o cidadão pode até falir, mas não devido a empréstimos consignados ou dívidas de cartão de crédito. Em Portugal, por exemplo, o cartão de crédito permite “pendurar” a conta por apenas 30 dias. Não existem parcelamentos em duas, três, cinco ou até 12 vezes, como no Brasil.

Muito menos existe o “crédito rotativo”, quando o titular do cartão não consegue pagar a fatura integralmente e quita apenas o valor mínimo, fazendo com que a operadora acrescente juros sobre juros na fatura seguinte. Recentemente, a legislação brasileira limitou em 100% o valor dos juros a serem acrescidos no crédito rotativo. Era bem mais que isso.

Freio

A legislação precisa mudar para limitar os empréstimos consignados. Ao governo do Estado e às prefeituras cabe a responsabilidade de agir imediatamente, por meio de decretos, aliados a uma campanha de conscientização para servidores, pensionistas e aposentados.

Corremos o risco de, muito em breve, ter uma população de servidores falidos, deprimidos e sem motivação para sair da cama e ir ao trabalho.

Seles Nafes
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