PEDRO PESSOA, correspondente do portal SN em Belém
A menos de cinco meses da COP30, conferência mundial do clima marcada para novembro, Belém enfrenta um impasse que pode custar caro: a cidade corre o risco de perder a sede do evento por conta de uma crise envolvendo hospedagem e infraestrutura. A preocupação com os preços abusivos de hotéis e a ausência de garantias concretas sobre mobilidade urbana tomou proporções diplomáticas durante a reunião preparatória da ONU em Bonn, na Alemanha, onde representantes de quase 200 países se reúnem para ajustar detalhes da conferência.
Delegações de diversas partes do mundo relataram dificuldades para encontrar hospedagem a preços compatíveis com os padrões da ONU. Em alguns casos, os valores chegam a ultrapassar cinco vezes o teto de US$ 145 por diária reembolsado pela organização. Algo fora da realidade especialmente para países pobres e ilhas vulneráveis, cujas delegações já falam abertamente em desistência.
Em fevereiro, o portal Seles Nafes já havia revelado que locações temporárias em Belém estavam sendo ofertadas por valores milionários para o período da conferência. A reportagem destacou imóveis anunciados por até R$ 2 milhões em plataformas de aluguel (https://selesnafes.com/2025/02/alugueis-para-a-cop-30-em-belem-chegam-a-milhoes-de-reais/)

Setor hoteleiro da cidade está aquecido
A pressão aumentou nas últimas reuniões fechadas do G77, bloco que reúne mais de 130 nações em desenvolvimento, incluindo o próprio Brasil. Ali, diplomatas afirmaram que, diante da atual situação, há risco de esvaziamento da conferência, ou até da formalização de um pedido para mudança de sede. E, embora apenas o Brasil possa tomar essa decisão, a sinalização do Büro, órgão que representa os grupos regionais dentro da Convenção do Clima, foi clara: ou há uma resposta urgente e concreta, ou a conferência corre o risco de sair da capital paraense.
O governo federal, que já destinou cerca de R$ 4,5 bilhões para a realização da COP30 em Belém, tenta conter os danos. A Secretaria Especial da COP afirma que está finalizando um levantamento com 30 mil opções de hospedagem e que, ainda em junho, 2.500 delas devem ser disponibilizadas numa plataforma oficial. A promessa é de preços “compatíveis com os praticados no Círio de Nazaré”, referência religiosa que atrai milhões à cidade todos os anos.
No entanto, o mercado hoteleiro resiste. Tentativas de negociação com redes de hospedagem e plataformas de aluguel ainda não surtiram efeito. A Secretaria Nacional do Consumido, ligada ao Ministério da Justiça, abriu uma apuração para verificar se há abusos nos preços. Se confirmadas irregularidades, os responsáveis podem ser multados ou até ter suas atividades suspensas, mas apenas após o evento.
Não é a primeira vez que uma conferência da ONU enfrenta problemas desse tipo. Na COP26, em Glasgow, também houve críticas quanto à falta de estrutura e preços altos. E em 2019, o Chile decidiu, a três meses do evento, transferir a COP25 para Madri por conta de protestos no país. A diferença é que, no caso brasileiro, o problema é previsível e, ainda assim, não resolvido.
Além da hospedagem, pairam dúvidas sobre mobilidade, deslocamentos e até mesmo sobre a cúpula de chefes de Estado. Embora tenha sido antecipada para mitigar gargalos logísticos, os convites formais ainda não foram enviados. Nos bastidores, diplomatas reconhecem que a falta de garantias concretas, tanto para os líderes quanto para as delegações técnicas, pode afetar a credibilidade do Brasil como anfitrião.
Durante as conversas em Bonn, o tema da hospedagem, apesar de não estar na pauta oficial, virou assunto obrigatório nos corredores e reuniões paralelas. Para muitos, o incômodo já extrapola o campo prático e entra na esfera política. Uma COP esvaziada, sem a presença de países mais vulneráveis à mudança climática, transmitiria uma mensagem preocupante sobre o futuro da governança climática global.
No cenário geopolítico atual, marcado por tensões entre potências e conflitos armados, o sucesso da COP30 é visto como essencial para retomar o protagonismo das conferências climáticas. Mas sem garantias mínimas de participação e inclusão, a meta de avançar na implementação dos acordos pode virar letra morta.
A pressão agora recai sobre o governo brasileiro, que tem pouco tempo para apresentar soluções viáveis e evitar que Belém, que se preparou para ser vitrine internacional da agenda ambiental, se torne símbolo de improviso e desorganização.