Por SELES NAFES e HUMBERTO BAÍA
Oiapoque, município localizado a 590 km de Macapá, atravessa uma das piores crises da sua rede municipal de ensino. Salários parcelados e aluguéis atrasados dos prédios onde funcionam as escolas provocaram uma série de protestos pelas ruas da cidade, que está na froneira com a Guiana Francesa. Professores exigem a demissão da secretária de Educação, Valdirene do Carmo, no cargo há apenas 9 meses. Ouvida pelo Portal SN, ela admitiu as dificuldades financeiras, mas fez ponderações sobre os fatores que causaram a atual situação da rede municipal.
De acordo com os educadores, a maioria dos professores está sem receber desde maio, quando iniciou o ano letivo em grande parte das oito escolas. Em algumas unidades, as aulas só teriam começado em agosto. Além disso, os pais reclamam das condições precárias dos prédios alugados pela prefeitura. Reeleito pela população em 2024, prefeito Breno Almeida (PP) completa quase 5 anos sem nenhum colégio inaugurado, apesar dos R$ 43 milhões recebidos pela outorga do saneamento, recurso que poderia ter sido aplicado em qualquer área.
“Hoje uma criança caiu do segundo andar desse prédio e quebrou o braço. Sem segurança para os alunos. Canalhice que está acontecendo na gestão de Oiapoque. Isso tudo é professor sem receber. Muitos não têm coragem de vir porque foram obrigados a votar (no prefeito) para ter um contrato”, criticou uma moradora durante manifestação.
Representantes do Sinsepeap em Oiapoque informaram que seriam recebidos pelo prefeito nesta sexta-feira (12), durante mais um protesto.
“O salário está sendo parcelado nos últimos três meses. Eles pagam entre os dias 30 e 10, no caso dos servidores efetivos. O contrato não recebe há 50 dias, quase dois meses”, disse Aderlan, representante do sindicato, confirmando que nenhuma escola possui prédio próprio.

Professores na orla de Oiapoque, onde também fica a prefeitura
Redução no Fundeb
Procurada pelo Portal SN, a secretária Valdirene do Carmo, doutora em educação pública, fez um desabafo sobre os desafios da educação em Oiapoque, que estaria atrasa em 14 anos. Ela admitiu o parcelamento, mas explicou que o problema acompanha o repasse do Fundeb. Segundo ela, o município perdeu R$ 3 milhões em comparação a 2024. O total teria caído de R$ 45 milhões para R$ 42 milhões em razão da falta de prestação de contas de gestões anteriores da educação (no próprio governo Breno). Um ex-secretário chegou a ser acusado de desviar quase R$ 10 milhões no ano passado, episódio amplamente noticiado pela imprensa.
Valdirene destacou ainda que o aumento da população estudantil, estimulado pela expectativa da exploração de petróleo, agravou o cenário.
“Quando assumi a secretaria, em 2 de janeiro de 2025, encontrei um débito de R$ 4,5 milhões para servidores efetivos e contratos. Está vindo Fundeb para 4 mil alunos, mas agora temos 5,8 mil estudantes. A merenda recebe R$ 85 mil (por mês) para 4 mil alunos quando temos quase 6 mil. Aumentou a população com a expectativa do petróleo”, relatou.
Ela acrescentou que os repasses são feitos de forma fracionada, dificultando a programação.
“Até junho todos receberam em dia. A partir de agosto não teve mais como. Não sabemos quanto vai cair no mês seguinte. Em agosto de 2024, Oiapoque recebeu R$ 800 mil. Em agosto deste ano foram somente R$ 200 mil”, comparou.

Uma das faixas colocadas no prédio da prefeitura
Resistência interna
Segundo a secretária, a folha de pagamento dos servidores efetivos é de R$ 2 milhões e a dos contratos chega a R$ 1,3 milhão. O município conta com 300 servidores efetivos e 800 contratados. Ela criticou ainda a permanência de professores idosos que não querem se aposentar.
“20% dos efetivos são professores que não estão em sala de aula por terem mais de 70 anos, mas eles não querem se aposentar. Eles vão para a escola, ficam lá e depois vão para casa. Não se aposentam porque perderão os R$ 3 mil de regência de classe e mais R$ 3 mil de dedicação exclusiva. Se fossem aposentados, conseguiríamos dar o reajuste do piso de 6,27% que a categoria quer. Já informei que daremos esse reajuste em duas vezes. Já pedi para conversar com a classe, mas eles não querem”, declarou.
Ela afirmou ainda que sofre ataques pessoais.
“Me chamam de desgraçada, ditadora. Existe um movimento político para me tirar porque baixei uma portaria estabelecendo que os efetivos cumpram os dois horários. Só querem trabalhar em um. Esses protestos também estão sendo incentivados pelos donos dos prédios onde as escolas funcionam. Eles estão há 7 meses sem receber. São quatro meses de atraso também do material didático e do transporte escolar. Eu já pedi demissão, entreguei, mas o prefeito me pediu para ficar por estar mostrando resultado”, revelou.
A crise educacional também impactou diretamente o aprendizado das crianças e o repasse de outros recursos federais. Em 2024, dos 482 alunos que fizeram a “Provinha” do IDEB, apenas 25 sabiam ler e escrever.
“Por isso só recebemos R$ 85 mil. Em Ferreira Gomes, o prêmio foi de R$ 12 milhões porque lá 90% das crianças sabem ler e escrever”, comparou Valdirene.
Perspectivas
Apesar do cenário, a secretária afirma que há perspectivas de avanços. Uma creche já foi licitada e aguarda ordem de serviço, e a primeira escola em prédio próprio deve ter licitação iniciada na próxima semana.
“E consegui cadastrar outra para o bairro Infraero”, comemorou.
Até o fim da manhã desta sexta-feira, professores efetivos continuavam reunidos em frente ao prédio da prefeitura aguardando audiência com o prefeito.