Sentinela Norten­te: 36 anos do disco que inaugurou o Movimento Costa Norte; OUÇA

Gravado por Amadeu Cavalcante e Osmar Júnior, o compacto eternizou a poesia amazônica da canção do Amapá. Foto: Arquivo
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Por RENIVALDO COSTA, jornalista

O ano era 1989. O mundo girava mais rápido, parecia reinventar-se. Na Europa, desmoronava o Muro de Berlim, e com ele as fronteiras que separavam corações e ideologias. No Brasil, o ciclo de José Sarney chegava ao fim, e um jovem político de Alagoas, Fernando Collor, ascendia ao poder com promessas de modernidade.

Enquanto isso, na imensidão verde da Amazônia, brotava um outro tipo de revolução – silenciosa, mas profundamente sonora. No Pará, Nilson Chaves, Vital Lima e outros artistas cantavam os rios, os amores, o homem urbano e o ribeirinho, unindo mundos distintos numa mesma canção.

Foi nesse cenário de transformações que dois jovens ousaram ir além da simples composição de letras. Eles fizeram poesia. E poesia não apenas na palavra escrita, mas na melodia que embala e no silêncio que completa o verso. Como lembrava Manuel Bandeira, “a poesia está em tudo” – no riso e no pranto, na cidade e na beira do rio, no lógico e no absurdo.

Osmar Júnior, poeta das águas e das esquinas, bebeu dessa fonte e transformou o cotidiano em canto. Seus versos narraram as inquietações de uma juventude que respirava o ar da liberdade recém-conquistada, mas ainda trazia na pele as marcas do chumbo da ditadura. Seus personagens dançavam entre o sonho e a realidade, entre o amor e a saudade.

Para dar voz a esse manifesto, Osmar Júnior encontrou Amadeu Cavalcante, que já era presença marcante nas noites amapaenses. Juntos, eles nos presentearam com Sentinela Norten­te, um compacto que não foi apenas um disco — foi um grito poético, um marco cultural.

Ali, sob o calor dos ritmos caribenhos, da salsa, do merengue, misturados ao brega e à toada amazônica, nasceram canções que se tornaram eternas: Coração Tropical, Tajá, e a música que batiza o disco. Sentinela Norten­te foi o primeiro registro sonoro do Movimento Costa Norte, e inspirou outros mestres, como Zé Miguel e Val Milhomem, a também inscreverem seus nomes na história com seus LPs.

Na comemoração dos 30 anos do disco. Foto: Divulgação

Mais do que um álbum, Sentinela Norten­te é um retrato de época, um relicário da alma amazônica. É história, é sociologia, é filosofia em forma de melodia. É o testemunho de uma geração que se recusou a ser apenas espectadora e que transformou sua realidade em arte.

Hoje, 36 anos depois, ao ouvir essas canções, ainda sentimos o mesmo arrepio, como se o vento do Norte soprasse em nossos ouvidos, lembrando-nos que a poesia não morre — ela apenas muda de endereço, mas continua sentinela, atenta, no coração da gente.

Seles Nafes
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