Por JONAS SOUSA, do escritório SOUSA ADVOGADOS, de Macapá
O comprometimento excessivo da renda com dívidas de consumo tem se tornado uma realidade cada vez mais presente na vida dos servidores públicos estaduais do Amapá. Dados recentes indicam que 80% dos servidores estaduais do Amapá encontram-se endividados, com muitos recebendo apenas 20% de seus salários líquidos após os descontos.
Diante desse cenário preocupante, a Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, surge como importante instrumento jurídico para a proteção desses consumidores e a preservação de sua dignidade financeira.
O cenário de endividamento dos servidores públicos do Amapá
A tradicional estabilidade financeira associada ao serviço público tem sido comprometida por práticas de concessão de crédito que resultaram em um quadro preocupante de endividamento.
Conforme dados da Secretaria de Estado da Administração do Amapá(Sead), 80% dos 32 mil servidores estaduais mantêm contratos de crédito consignado com instituições financeiras [1], configurando um cenário de endividamento em massa que compromete significativamente a capacidade econômica dessa categoria profissional.
A legislação estadual vigente permite o comprometimento de até 80% da remuneração do servidor com descontos diversos, assim distribuídos:
40% destinados a empréstimos consignados; 30% para parcelas compulsórias (execuções judiciais); 5% para cartão de crédito consignado; 5% para cartão benefício.
Esta estrutura normativa tem produzido consequências severas: uma parcela significativa dos servidores recebe efetivamente apenas 20% de sua remuneração líquida [1]. O impacto social dessa situação manifesta-se na deterioração do padrão de vida das famílias, que enfrentam dificuldades para arcar com despesas essenciais como habitação, alimentação e assistência médica.

Servidores estão abandonando seus planos de saúde privados…Foto: Seles Nafes
A gravidade da situação evidencia-se no fato de que servidores públicos, historicamente reconhecidos pela estabilidade econômica, têm sido compelidos a renunciar a planos de saúde privados, passando a depender exclusivamente do sistema público de saúde. Conforme relatado na imprensa local, observa-se crescente número de servidores em situação de vulnerabilidade social buscando assistência em instituições beneficentes [1].
As práticas comerciais agressivas das instituições financeiras, que abordam sistematicamente os servidores sempre que identificam margem consignável disponível, contribuem para perpetuar este ciclo de endividamento. Não raramente, servidores são induzidos a contratar empréstimos adicionais mesmo quando já esgotada a margem consignável, agravando ainda mais sua situação financeira.
O que é Superendividamento? Não Confunda com Inadimplência
É fundamental entender a diferença entre estar inadimplente e estar superendividado. A inadimplência é o não pagamento pontual de uma dívida. Já o superendividamento, conforme definido pela Lei nº 14.181/2021, é a “impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”.
Em outras palavras, você está superendividado quando, mesmo que queira pagar suas contas, a soma das parcelas é tão alta que o que sobra do seu salário não é suficiente para garantir suas necessidades básicas e de sua família, como moradia, alimentação, saúde e transporte. A lei foi criada exatamente para proteger pessoas nessa situação, que, apesar de seus esforços, se veem presas em uma espiral de dívidas impagáveis.

Advogado Jonas Sousa: A lei permite que você reúna todos os seus credores (bancos, financeiras, etc.) em um único processo
Lei do Superendividamento: Sua Proteção Legal
A Lei nº 14.181/2021, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, é a sua principal aliada na luta contra o superendividamento. Ela garante a você, servidor público, o direito de renegociar suas dívidas de forma justa e equilibrada, preservando sua dignidade. Os principais benefícios da lei são:
Repactuação Global das Dívidas: A lei permite que você reúna todos os seus credores (bancos, financeiras, etc.) em um único processo para negociar um plano de pagamento que caiba no seu bolso.
Limite de 30% da Renda
Os tribunais têm estabelecido um limite de 30% da renda líquida do devedor para o pagamento das parcelas das dívidas. Isso significa que 70% do seu salário fica protegido para garantir seu sustento.
Suspensão de Cobranças e Negativação
Ao iniciar o processo de repactuação, o juiz pode determinar a suspensão de todas as cobranças, juros e multas, além de impedir que seu nome seja negativado nos órgãos de proteção ao crédito.
Preservação do Mínimo Existencial
O objetivo principal da lei é garantir que você tenha o suficiente para viver com dignidade, o chamado “mínimo existencial”. O valor de R$ 600,00 estabelecido pelo Decreto nº 11.567/2023 é amplamente considerado inconstitucional e insuficiente, e os tribunais têm aplicado o critério mais justo de preservar 70% da sua renda.Jurisprudência Favorável aos Servidores
Endividados
A boa notícia é que os tribunais brasileiros têm aplicado a Lei nº 14.181/2021 de forma favorável aos consumidores superendividados, incluindo servidores públicos. A jurisprudência consolidada tem reconhecido o direito à repactuação das dívidas e à limitação dos descontos em até 30% da renda líquida, garantindo que o mínimo existencial seja preservado. Essa tendência jurisprudencial favorável é um fator crucial para o sucesso de ações de superendividamento.
Procedimentos para Exercício dos Direitos Previstos na Lei do Superendividamento
O servidor público que se encontra em situação de superendividamento deve buscar orientação jurídica especializada para análise de seu caso concreto e eventual ajuizamento de ação de repactuação de dívidas. O procedimento judicial requer a apresentação de documentação específica que comprove a situação econômica do requerente:
Documentos de identificação pessoal (RG, CPF); comprovante de residência atualizado; demonstrativos de pagamento dos últimos três meses; contratos e instrumentos de todas as obrigações assumidas; extratos bancários e comprovantes de movimentação financeira.
A petição inicial deve demonstrar objetivamente a impossibilidade de adimplemento das obrigações sem comprometimento do mínimo existencial, solicitando a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei nº 14.181/2021. O processo tramita sob sigilo e prioriza a conciliação entre as partes. Na ausência de acordo, o magistrado pode determinar a imposição de plano de pagamento compulsório que preserve a dignidade do devedor.
A complexidade da matéria e a necessidade de demonstração técnica da situação de superendividamento tornam imprescindível o acompanhamento por profissional habilitado, que possa orientar adequadamente sobre os direitos disponíveis e os procedimentos mais eficazes para sua proteção.
Por isso, procure o advogado de sua confiança para que ele busque na justiça a renegociação de suas dívidas e represente com igualdade perante aos bancos.