Ele viu o inferno…

Luiz Veiga perdeu família, empresa e morou por 10 anos nas ruas de Belém. Hoje dirige um centro que salva vidas
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SELES NAFES
Quem conhece pela primeira vez o terapeuta Luiz Veiga, de 75 anos, alinhado, cabelos brancos bem cortados e penteados, com sapatos lustrosos, não imagina que ele foi morador de rua por quase 10 anos na grande Belém (PA).
Por causa das drogas, ele chegou a pesar 40 quilos, estava sem os dentes, foi contaminado por doença venérea, e acabou numa penitenciária condenado por assaltos e outros crimes.
No total, a passagem dele pelo inferno durou 28 anos. Perdeu a família, a imobiliária que chegou a ter 140 corretores em todo o Pará, e estava na sarjeta, onde aprendeu a fabricar um alucinógeno com arroz e urina, e injetava água da vala nas veias.
Hoje, ele diz que ainda está em processo de recuperação de uma doença que não tem cura. Fundou a comunidade Nova Vida, na região metropolitana de Belém, e salva vidas.

As mãos ainda tremem. Fotos: Seles Nafes

Na semana passada, ele esteve em Macapá para palestrar num evento na Ordem dos Advogados (OAB).
Como começou esse trabalho de tratar usuários de drogas?
Como o começo de quase todos que trabalham com dependência química.
Algum familiar?
Eu mesmo. Fui usuário por 28 anos. Sou de uma família rica de Belém. Minha mãe era médica obstetra e meu pai empresário. Eu também fui empresário. Estudei nos melhores colégios, e conheci a primeira droga aos 12 anos.
Que droga?
Álcool. Nesse caso o vinho. Não gostei muito. Mas veio um colega e colocou açúcar. Foi o meu primeiro porre. Como eu tinha a predisposição, a doença (alcoolismo) logo se instalou.
Depois quais foram as outras drogas?
Veio a maconha, drogas medicamentosas…
E os seus pais?
Meu pai também era alcoólatra.
O que você sentiu quando você experimentou a primeira vez?
Eu era tímido, não conseguia falar direito com outras pessoas. Quando eu peguei o primeiro porre isso passou. Achei que tinha resolvido o meu problema.
A droga atrapalhou na escola?
E como. Por isso não tenho formação acadêmica. Sou um pesquisador da minha própria doença. Mesmo assim conheci 9 países fazendo palestras para afirmar que é possível sair desse mundo cão. Mas ninguém consegue sozinho. É preciso buscar ajudar de profissionais.

Alinhado hoje, mas já foi morador de rua

Quando foi o fundo do poço?
Muitos acham que o fundo do poço é a última droga de identificação mais forte, como a cocaína e o crack. Mas eu sempre digo que o fundo de poço é quando você começa a usar…
Mas qual foi o momento mais grave nessa vida?
Fui morador de rua, respondi a 12 processos por roubo e furto, e fui parar numa penitenciária. Quando eu era morador de rua ia para o Pronto Socorro de Belém furtar seringas usadas no lixo hospitalar. Eu injetava água da vala nos braços, pescoço e até no pênis.
Você pegou alguma doença?
DST. O pênis ficou cheio de sangue e pus. Estava pesando 40 quilos e estava sem dentes. Estava comendo o que achava no lixo. O problema é que a gente sempre pensa que pode parar, mas não consegue sozinho.
O que você fazia além disso quando não havia drogas?
Aprendi que urinar num punhado de arroz e deixar ele nessa solução durante alguns dias resulta no nascimento de larvas. A gente comia essas larvas porque são alucinógenas.
Quanto tempo durou sua recuperação?
Ainda estou em recuperação há 30 anos. Não existe um remédio para curar a dependência química. É o câncer do caráter e da personalidade. Tenho que admitir minha impotência e perante minha droga de identificação. Tenho que aprender a conviver com a minha doença.
Quer dizer então que a internação compulsória não funciona?
Cada caso, é um caso. Em algumas situações é preciso o atendimento compulsório, medicamentos…

Luiz Veiga sobreviveu a tudo

E dá certo?
Depende do paciente. No Espaço Nova Vida nós trabalhamos a psicologia comportamental motivacional, pautada na espiritualidade e na disciplina. Mas só vai dar certo se você permitir. O tratamento compulsório é mais indicado para o usuário que está com outra patologia que é o transtorno mental, transtorno bipolar, ou outro problema que pode levá-lo a tirar sua própria vida e a vida de terceiros. Parar de usar droga não é difícil, o difícil é continuar parado. Por isso é preciso mudar o comportamento, e para isso existe toda uma abordagem.
Por que tem gente que passa 10 anos, 15 anos sem usar drogas, e depois volta? Se ele parou tanto tempo, então não tinha uma necessidade orgânica pela droga…
Mas é o mesmo que ocorre com as drogas lícitas. Tem gente que para 10 anos de fumar, e depois acaba voltando por um distúrbio psicológico. Dei uma entrevista para a BBC de Londres, e o repórter me perguntou qual era a pior droga do mundo. Respondi que é aquela que você está usando, é essa que vai te levar para a morte.
Por que parece que tem mais homem dependente do que mulher?
Não é bem assim. Em algumas capitais a mulher é maioria. E é muito mais difícil trabalhar com mulher.
Por que?
A mulher tem mais complicações orgânicas, são mais frágeis e têm mais facilidade de se prostituir do que o homem.


Por que o viciado em drogas mente muito?
É da índole dele. É uma doença. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que a doença da dependência química é a terceira que mais mata no mundo, perdendo apenas para o coração e o câncer. Ele mente com o único objetivo: ter mais droga. Não só mente, mas chora e até mata. A pessoa manipula, se coloca como coitadinho, domina a família, pede abraço, carinho… e qual é o objetivo? Somente droga.
É possível ter uma vida produtiva usando drogas?
Foi o meu caso. Usei por quase 30 anos. Cheguei a ser um empresário de sucesso, mas as pessoas não conviviam comigo. Na sociedade eu tinha sucesso, mas na minha casa eu era um derrotado. Nunca coloquei um filho no colo, por isso não tenho uma foto segurando um filho. Fui um pai ausente, um marido ausente, mas eu era vaidoso. Quem tava comigo tava com Deus…

Ninguém se recupera sozinho, é preciso buscar profissionais e admitir a doença

Por que o senhor decidiu parar?
Pela dor. Eu estava na sarjeta.
Por que você foi parar na rua?
Porque pedi tudo, cheirei tudo.
Então teve um momento em que ficou mais forte a dependência?
A gente quer mais. É progressivo.
O que você faz hoje para ajudar as pessoas?
Tenho um programa de televisão na RBA (Bandeirantes em Belém) há 16 anos. Fundamos a comunidade terapêutica Nova Vida, que fica em Ananindeua, com 16 mil metros quadrados, duas piscinas, auditório para 300 pessoas, estúdio de televisão, apartamentos climatizados com tv e frigobar, é uma grande estrutura. Fundei há 30 anos para ajudar pessoas sem recursos. Algumas pessoas me ajudaram a fundar porque eu era de uma família tradicional, por isso me estenderam a mão.
A sua história é impressionante
Por isso participei de documentários e agora estão fazendo um filme sobre a minha vida.

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