Crise inédita da Rede Amazônica no Amapá gera “rio de incertezas”

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SELES NAFES

Se há dois anos alguém dissesse que o salário na Rede Amazônica (afiliada da Rede Globo no Amapá) seria parcelado e depois pago com atraso ninguém iria acreditar. Afinal, como alguém poderia supor que um dia a empresa de comunicação mais rentável do Amapá mergulharia em uma crise do alto de seus quase 43 bem-sucedidos anos de existência? Mas o improvável aconteceu.

Para os funcionários, a sensação é de perplexidade. Eles ainda tentam entender como uma empresa que fatura mais de R$ 1 milhão por mês chegou ao ponto de ter dificuldades para honrar uma folha de pagamento que dificilmente ultrapassa os R$ 400 mil com todos os encargos.

O “rio de incertezas” para os mais de 100 funcionários da antiga TV Amapá começou a jorrar no dia 14 de dezembro de 2016, quando o fundador e presidente do Grupo Rede Amazônica, jornalista Phelippe Daou, morreu em Manaus (AM), aos 87 anos, depois de uma vida de ousadia e conquistas do projeto que descortinou a Amazônia para o restante do Brasil e do mundo.

Em 1968, junto com o jornalista Milton Cordeiro, falecido no mesmo ano, Daou fundou a Rede Amazônica, empreendimento que abriria as portas no Amapá em janeiro de 1975, numa sequência de inaugurações que ainda alcançou os estados de Roraima, Rondônia e Acre. Até hoje, o sinal da Globo é transmitido pela Rede Amazônica nos cinco estados.

Phelippe Daou morreu no dia 14 de dezembro de 2016, deixando uma empresa lucrativa. Foto: Rodrigo Sales

Gratidão

A empresa sempre se orgulhou que nunca atrasar salários e de conceder benefícios sociais como planos de saúde, odontológico, alimentação e até uma parte dos lucros no fim do ano. Quando o último dia do mês caia num domingo, o salário era pago na sexta, antecipadamente.

Durante a administração de Phelippe Daou, funcionários e filhos de funcionários tiveram acesso a bolsas de estudos do ensino infantil à faculdade. O subsídio chegava a 80% do valor das mensalidades.

No caso dos jornalistas, um grande estímulo foi o programa de intercâmbios. Nos anos 1990, a maioria dos profissionais de comunicação da casa fez estágios na Globo do Rio de Janeiro, em São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e no Distrito Federal. Os jornalistas de vídeo também tinham vestuário, cabeleireiro, e maquiagem pagos pela empresa.

Daou reconhecia o valor dos funcionários, especialmente os mais antigos, por quem nutria um sentimento de gratidão. Na matriz (em Manaus), não eram raros os sorteios de casas e veículos, por exemplo, e presentes que honravam os mais dedicados. Os benefícios eram em menor proporção para as afiliadas nos demais estados, mas havia o respeito à dignidade do salário pontual e outros confortos.

Em 2010, uma vigilante foi assassinada na guarita da emissora. Fotos: Seles Nafes

Apogeu e queda

Na primeira década do ano 2000, ainda sob o comando de Phelippe Daou, a Rede Amazônica experimentou um crescimento tecnológico sem precedentes na região Amazônica. No Amapá, o sinal local foi levado para os 16 municípios e depois foi digitalizado. A central de jornalismo foi modernizada e o visual das instalações passou a impressionar os visitantes.

Hoje, quase dois anos depois da morte de Phelippe Daou, a Rede Amazônica enfrenta sua primeira e grave crise. Os salários de outubro foram parcelados, com a segunda metade sendo paga apenas na metade do mês seguinte.

Já o salário de novembro, que tinha previsão de ser pago no último dia 7, ficou para o próximo dia 14, e os funcionários ainda não sabem se receberão os valores integralmente.

O plano de saúde foi cortado para os menores salários, e mantidos para os cargos de chefia. Contudo, os relatos são de que a empresa tem demorado a pagar o plano e o atendimento tem sido suspenso pelas prestadoras de serviço, frequentemente. Em janeiro de 2019, o plano odontológico também deixará de ser concedido pela empresa.

Parque transmissor da emissora: futuro incerto

Alguns funcionários garantem que o FGTS não vem sendo recolhido há pelo menos três meses. A empresa passou a dever para os fornecedores. Cortou a alimentação dos funcionários que precisam estar na empresa na hora do almoço e o café da manhã para as equipes do Bom Dia Amazônia que precisam madrugar na emissora para colocar o jornal no ar. O cafezinho tradicional que toda firma tem foi mantido, mas graças à coleta dos funcionários. 

Para economizar combustível, as reportagens no município de Santana (cidade a apenas 17 km de Macapá) foram quase suspensas. Cada pauta no município vizinho é avaliada criteriosamente para poupar gasolina.

Não há mais vigilância armada na Rede Amazônica em Macapá, um serviço que passou a ser vital para os funcionários em função de episódios que envolveram até tiros disparados na porta da emissora que funciona no Bairro do Buritizal, comunidade que durante a madrugada costuma ser extremamente violenta. Em 2010, a luz do dia, uma vigilante chegou a ser assassinada na guarita da emissora durante um assalto.

Hoje, a segurança dos funcionários e de milhões de reais em equipamentos é feita por um agente de portaria com o salário atrasado e completamente desarmado.

Phelippe Daou Júnior promoveu demissões em massa. Foto: Katiúscia Monteiro

Nova gestão

Logo após a morte do fundador, o Grupo Rede Amazônica passou a ser administrado por Phelippe Daou Júnior, o único herdeiro homem do pioneiro da televisão na Amazônia. O novo CEO mudou radicalmente os rumos do grupo. Pagou fortunas em indenizações trabalhistas ao demitir os funcionários mais antigos e com os maiores salários em toda a rede, nos cinco estados.

Além disso, indenizou os sócios do grupo para ficar apenas a família Daou no comando dos negócios. Outro passo foi fechar a Amapá FM, emissora também lucrativa, e comprar os direitos de transmissão da CBN. O gesto foi repetido nos cinco estados. Phelippe Júnior ainda investiu pesado na aquisição da CBN em Belém (PA), emissora com graves problemas de faturamento e igualmente endividada.

Rede Amazônica fechou uma rádio que dava lucro para transmitir a CBN. Foto: Portal Amazônia

Esses e outros movimentos custaram muito caro ao caixa da empresa. Em menos de dois anos, todas as reservas do grupo teriam sido consumidas. Os funcionários têm sido avisados que o pagamento dos salários depende agora de empréstimos bancários.

O Portal SelesNafes.Com enviou e-mail ao gerente regional da emissora, Francisco Dimas, pedindo um posicionamento da emissora sobre todas essas informações, mas não houve resposta. Há 15 anos na direção da antiga TV Amapá, Francisco Dimas foi o único gestor que sobrou de uma linhagem de gerentes contemporâneos de Phelippe Daou pai.

Enquanto esperam o pagamento do salário de novembro, os funcionários agora se perguntam se irão receber este ano o restante do 13º salário. A última parcela vencerá no dia 20 de dezembro, apenas seis dias depois do pagamento do salário de novembro previsto para o dia 14.

Para os funcionários, o rio de incertezas começa a transbordar, junto com uma sensação ruim de que o pior ainda pode estar por vir.

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