Por MANOEL DO VALE
Há mais ou menos trinta anos que raramente me escapo de um Dia das Mães. A militância como redator publicitário não me deixou fugir a esses seres mágicos que são capazes de proezas inimagináveis para defender suas crias.
Entre anúncios e filmes publicitários vendi utilidades e inutilidades domésticas, com preços que são um carinho de vó, para filhos e maridos das mais diversas classes, convergentes em uma única certeza: mãe, só tem uma. Como diz o anúncio da Coca-Cola.
Mas nem tudo é comercial, pois o primeiro texto que fiz para homenagear a melhor mãe do mundo foi um poeminho escrito entre os meus cinco/seis anos, expressão do amor romântico/religioso cultivado na sociedade, nas aulas de catequese, que enxerga a mãe como uma divindade muito acima dos pobres mortais, nós, seus filhos.
O poema rimava céu azul com nuvens brancas para dizer que minha mãezinha parecia uma santa. Coisa de menino neto de poeta (o Sabino, meu avô Navegante) e filho de uma mulher que tinha uma cabeça ótima para “sacar”, de estalo, uma piada sutil ou um fato curioso que só ela percebia. Minha mãe tinha a alma bem-humorada.
Ela morreu na terceira manhã do dezembro de 1997, um sábado. Não digo que sou órfão, pois tenho muito dela em mim. Essa coisa das mães morrerem é do protocolo da vida, da dinâmica da biologia.
O problema é quando “entre o nascer e o morrer, tiram-nos a vida”.
Só as mães são felizes, disse Cazuza, porque delas provem a vida. O Cazuza não deve ter imaginado que nas últimas três décadas a felicidade foi dando lugar ao medo diante da escalada da violência no Brasil. Hoje, quando elas não estão preocupadas de ver no companheiro o mesmo comportamento dos feminicidas que aparecem nos noticiários nacionais, debulham rosários e orações pedindo proteção para a cria, que saiu para ir ao trabalho ou escola, chegar em casa sã e salva.
Dia desses ouvi quieto a narrativa de uma mãe que ano passado perdeu a filha para covardia de uma pessoa desequilibrada, que preferiu matar a namorada do que deixar ela ir viver a vida sem a companhia dele.
A dor daquela mulher cortava feito navalha o silêncio dos ouvintes. Seus olhos ficaram vazios por uns momentos, perdidos na gravidade ou falta desta, ao relembrar o dia trágico em que foi encontrar no necrotério do Hospital de Emergência a filha sem vida.
Tentei me pôr no lugar daquela mãe que tenta reconstruir a vida depois de uma tragédia que a fez destruir a própria casa onde vivia com a filha, e onde esta foi morta.
Como esta senhora, milhares de outras mães brasileiras passaram ou estão passando pela mesma dor canalha de uma vida interrompida pela violência.
Entre anúncios fofinhos e matérias mundo cão, eu penso em como devia ser gostoso ficar deitado no peito de minha mãe curtindo o bater sereno do coração dela até cair no sono.