Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
No último dezembro, o professor Rodrigo Márcio Gomes Monteiro, 39 anos, que é cadeirante desde 2014, passou por um episódio de discriminação que lhe causou extrema indignação, mas ao mesmo tempo reforçou seu sentimento de luta por inclusão, visibilidade e respeito.
Ele visitava sua cidade natal, Vigia, no Estado do Pará, quando passou por uma situação constrangedora.
Após descer de um ônibus, tentou pegar um táxi, mas foi simplesmente ignorado pelo motorista. Ao invés de pegar preferencialmente as malas do cadeirante, passou por ele e pegou a bagagem de um casal que estava logo atrás do professor.
“Parecia que eu não estava ali, que eu era invisível. Falei para ele: isso é discriminação”, contou Rodrigo.
A situação só foi amenizada porque uma corrente de solidariedade a Rodrigo se formou na rodoviária da cidade histórica do interior paraense. Ao perceber a cena, mototaxistas e o próprio casal, que minutos antes, tinha lhe ajudado no desembarque, também se indignaram. Por fim, foi Rodrigo que não quis mais ser levado pelo taxista.
“Eu não sei se foi por ser minha cidade natal, ou a forma como aconteceu, mas esse episódio foi bem duro para mim. Se eu estivesse mais perto dele [do taxista] talvez tivesse lhe dado um soco de tanta raiva que me deu”, confessou.
A história mostra um pouco do que pode passar uma pessoa com algum tipo de deficiência ou dificuldade de locomoção na sociedade brasileira. A “sociedade” é o termo mais abstrato, pois são nas cidades que, mais concretamente, a exclusão se demonstra com realidade.
“Antes eu era muito festeiro, gostava de dançar – que é algo que me toca até hoje quando vou em festas -, mas o pior mesmo é a falta de banheiros acessíveis. Todo cadeirante está acostumado a segurar muito a urina e, por isso mesmo, é comum termos infecção urinária. Eu já tive duas e agora só saio quando os meus amigos garantem que o local tem banheiro adequado”, relatou Rodrigo.
Rodrigo é professor de geografia, especialista, mestrando na Universidade Federal do Pará (UFPA). Também é formado em biologia.
Vai ao trabalho conduzido por um motorista contratado, que todos os dias lhe leva e busca na escola. Mas houve um período em que o motorista se ausentou e teve que pegar carros de aplicativos, outra dificuldade, pois a maioria não está preparada para lidar com cadeirantes.
“Duas vezes o carro parou na frente da minha casa e quando viram que eu sou cadeirante, enquanto eu me virava para trancar a porta, o motorista foi embora e cancelou a corrida. Talvez pensem que terão que me carregar ou que a cadeira irá sujar o veículo. É falta de conhecimento, informação, ignorância e discriminação”, lamentou.
Acidente
No dia 11 de novembro de 2014, bem cedo pela manhã, Rodrigo saiu de Macapá em uma Vanv para dar aulas no município de Mazagão. Ao atravessar a rua, já chegando na calçada do outro lado, foi atropelado por um caminhão pipa, que estava trabalhando nas obras de terraplanagem da AP-010.
O retrovisor bateu na cabeça e ele acabou arrastado contra o asfalto. A perna direita foi muito comprometida e teve que ser amputada. A esquerda também ficou muito debilitada, por isso, até hoje não consegue utilizar uma prótese e voltar a caminhar.
Superação
Tem sido um longo período de superação. Sozinho no estado, sua mãe veio passar seis meses com ele. A família se revoltou. Uma perícia definiu que o caminhão teve falha mecânica, os freios não funcionaram. Rodrigo move uma ação na justiça contra a empresa proprietária do caminhão.
A vida seguiu. Rodrigo reencontrou-se com o esporte. Tornou-se capitão da seleção amapaense da modalidade de vôlei sentado. Já disputou competições regionais e nacionais em outros estados. Conseguiu entrar no mestrado, criar projetos de pesquisas na escola onde trabalha e até apresentá-los com os alunos em São Paulo.
“Nunca fui parado, mas eu costumo dizer que nesse tempo, do acidente para cá, nunca minha vida foi tão agitada”, contou o rapaz.
Quando sentiu que a depressão ia lhe pegar, anos atrás, foi bem orientado por profissionais da psicologia e conseguiu retornar ao trabalho. No caminho, além da mãe e outros familiares, encontrou amigos que lhe deram muita força.
Na escola Irmã Santina Rioli, aonde leciona atualmente, os alunos brincam e se surpreendem com ele.
“No fim acho que gostam de ter um professor cadeirante e, ainda por cima, cheio de tatuagens”, brinca Rodrigo.
Por um acaso, durante a entrevista, um ex-aluno veio lhe cumprimentar ao lado do Mercado Central de Macapá.
“Ótimo professor!”, exclamou Vinícius Furtado do Carmo, hoje com 17 anos.
Nem tudo, obviamente, são flores. Há os dias como o do final do ano em Vigia e pessoas como o taxista. Mas a vida seguiu e Rodrigo é um belo exemplo de perseverança e superação.