“Todo mundo pedia socorro”, conta sobrevivente que todas as noites revive tragédia

O pedreiro Rui Nelson, de 51 anos, retira a 2ª via do RG. Ele viajava sozinho, perdeu todos os documentos e ferramentas, mas agradece a Deus
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Por OLHO DE BOTO

Um dos sobreviventes do naufrágio do navio Ana Karoline III ainda não sabe o que vai fazer a partir de agora. O pedreiro Rui Nelson Pimentel de Figueiredo, de 51 anos, que mora em Macapá há 20 anos, estava voltando para a terra natal (Santarém) para recomeçar a vida quando percebeu que o barco estava tombando.

Estava escuro, frio, chovia e ventava muito, lembra ele. Logo, dezenas de vozes passaram juntas a pedir por socorro, numa sinfonia aterrorizante que se repete em sonhos todas as noites.

Na manhã desta sexta-feira (6), ele aproveitou uma ação da Rede Super Fácil especialmente montada para atender aos sobreviventes. O objetivo era retirar a 2ª via de todos os documentos perdidos na tragédia.

Ao contrário de outras famílias, Rui teve sorte. Viajava sozinho. Além de sobreviver, não perdeu ninguém amado na tragédia. No entanto, nem por isso o recomeço está sendo fácil.  

Rui chega à unidade móvel do Super Fácil…

O senhor nasceu de novo, não?

Com certeza. Agradeço a Deus por essa oportunidade que ele me deu de continuar vivendo.

Quando o senhor chegou na embarcação viu alguma irregularidade?

Embarquei às 16h (do dia 28). Vi que o navio estava muito lotado de mercadorias. Muita carga. Para mim já estava completo, mas quando eu entrei eles continuaram embarcando carga. Não sei mais quanto entrou de mercadorias.

No momento do naufrágio o senhor estava onde?

Eu estava deitado na minha rede. Só vi o navio tombando. Eu pulei e corri para uma janela e consegui abrir, e a água já estava entrando pelas janelas do segundo andar. Eu saí e consegui ir nadando para a direção do casco, que já estava totalmente virado.

O senhor viajava em qual andar?

No segundo, juntamente com muitas pessoas. É uma parte de vidro fechada.

Rui diz que navio já tinha muita carga, “mas continuaram embarcando mais”. Foto: Reprodução

O senhor tinha passageiros conhecidos no navio?

Não conhecia ninguém, somente a tripulação. Conhecia vários deles, inclusive uns três que se salvaram.

O senhor pediu socorro?

Todo mundo pediu socorro, mas não dava para socorrer ninguém porque não dava para ver nada. Muita chuva, escuridão e vento. Muita maresia.

Como os sobreviventes fizeram para se salvar?

Muitos fizeram igual a mim: nadaram pelo rumo para tentar alcançar a parte mais alta do navio.

O que o senhor acha que causou o acidente?

Se não estivesse lotado, ele não teria afundado. Acho que foi o excesso da carga que tombou.

O senhor esperou por quanto tempo no casco?

Uns 30 minutos, até a balsa chegar para socorrer a gente.

Sobreviventes estão sendo atendidos pelo Super Fácil para a emissão de novos documentos

Quantas pessoas o senhor acha que viajavam no navio?

Pelo menos entre 70 e 100 pessoas.

O senhor tem conseguido dormir?

Nas primeiras noites eu não conseguia. Agora que estou melhorando um pouco. Eu ainda ouço as pessoas gritando por socorro, como se eu estivesse vivendo tudo aquilo de novo.

O que o senhor pretende fazer agora? Ainda vai para Santarém?

Por enquanto eu não quero nem chegar perto de navio. Perdi tudo o que eu levava, todas as minhas ferramentas. Nem tenho como trabalhar agora. Mas agradeço a Deus.

Até ontem a noite, 29 corpos tinham sido resgatados e 9 pessoas permaneciam desaparecidas. 

 

Seles Nafes
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