Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
Após a fábrica de beneficiamento de castanhas no Iratapuru pegar fogo, em um incêndio que a Polícia Técnico-Científica do Amapá (Politec) considerou criminoso, os castanheiros cooperados deram a volta por cima.
Através de um contrato com a empresa de cosméticos Natura, os trabalhadores conseguiram construir uma nova fábrica para o beneficiamento do produto e, através de um fundo, outra fábrica, maior e mais moderna, está em fase de construção.
Nesta terceira reportagem que encerra a série “Castanhas do Iratapuru”, iremos mostrar como o fruto é beneficiado, contar a história de como se chegou até aqui, um pouco da situação das famílias e as perspectivas que essa população tradicional tem.
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Eudimar Viana contou que a Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru (Comaru), foi fundada pelos seus pais e amigos em 1992.
Após o trabalhoso processo de coleta, o produto era desvalorizado e para fugir dos atravessadores, as ideias do cooperativismo chegaram até a comunidade. A ideia era beneficiar o produto e, com a ajuda da Prefeitura Municipal de Laranjal do Jari, isso começou a ser possível.
Para se ter uma ideia, as sacas de castanha eram antes trocadas apenas por alimentos, ou poucas vezes vendida em valores muito baixos pagos aos atravessadores.
Um impulso maior foi ganho a partir de 1994, quando os castanheiros conseguiram contrato para fornecer biscoitos de castanha para a merenda escolar da rede estadual de ensino.
Após isso, conta Eudimar, a prefeitura de Belém (PA) também começou a comprar o produto e outros estados, como São Paulo, já faziam tratativas de compra.
No entanto, em 2003, um incêndio consumiu a fábrica de onde dezenas de famílias tiravam o seu sustento. Eudimar revelou que a própria Politec chegou à conclusão de ter se tratado de um incêndio criminoso.
“Após isso, tudo virou cinzas. O nosso sonho de muitos anos acabou, ficamos sem nada”, contou Eudimar.
Volta por cima
Mas, no final do ano de 2003 para 2004, a Natura apareceu. Um funcionário francês que havia andado pelo Iratapuru na década de 1990 foi compor a equipe responsável por desenvolver a linha de cosméticos “Ekos”, que hoje é bastante popular, e lembrou-se dos castanheiros. Houve o adiantamento do valor de R$ 70 mil, descontados após os contratos do fornecimento do óleo da castanha. E, assim, o sonho voltou a pulsar.
“É uma linha de produtos mais naturais, buscando alternativas, gordura animal e vegetal, e ele lembrou que tinha o Iratapuru que produzia a castanha e poderia utilizar o óleo. Reformamos a fábrica com R$ 70 mil que a Natura adiantou, compramos um secador e começamos a produzir o óleo da castanha, já não era mais biscoito nosso produto principal”, contou Eudimar.
O recomeço contou primeiro com sete cooperados, depois 17, 30 e hoje são 50 famílias de castanheiros cooperados na Comaru, cerca de 96% de todos os extrativistas do Rio Iratapuru.
A nova fábrica
A partir de 2005, cooperativa e Natura discutiram uma “relação socioambiental”, ou seja, a repartição de benefícios, pelo fato desta grande empresa estar acessando bens tradicionais, conhecimentos seculares de uma população ribeirinha.
Portanto, a Natura compra não apenas o óleo, ela paga também pelo acesso à conhecimentos de mais de um século de aprendizados no meio da floresta amazônica. A empresa deposita em um fundo uma parte do dinheiro das compras.
Sem revelar valores, Eudimar apenas contou que a nova fábrica que está sendo construída pode custar até R$ 3 milhões. Além disso, o fundo é acessado pela comunidade através de projetos, de todas as melhorias feitas na cadeia produtiva e, como os barracões de uso coletivo e, se algum jovem quiser sair para estudar fora, o fundo também lhe garante bolsas de estudo. A ideia da nova planta produtiva é aproveitar ao máximo o que a castanha pode oferecer.
“Nessa nova fábrica a gente vai aproveitar todos os subprodutos da castanha, porque a castanha não é só óleo. Nós temos a massa da castanha que depois de prensada e tirado o óleo, sobra uma massa com um teor ainda grande de óleo que a gente não consegue tirar 100%, e esse é um produto nutritivo, que tem interesse das indústrias de alimentos, só que como reformamos nossa fábrica que pegou fogo, a vigilância sanitária não liberou o uso e estamos descartando toneladas de alimentos”, contou Eudimar.
A previsão para a inauguração da nova indústria é para algo em torno de dois anos. Terá embalagem à vácuo e outros itens bem completos, tudo construído com recursos próprios e algumas parcerias que serão estabelecidas e através do fundo de patrimônio genético.
Preço mínimo
A Comaru pratica a política de preço mínimo, pagando R$ 300 por cada hectolitro – unidade de medida de grandeza física volume. Às vezes, o mercado está pagando R$ 100 pelo produto.
Na safra deste ano, por exemplo, o preço estava alto, pois na Bolívia, Acre, Amazonas e outros lugares que produzem castanha, a coleta foi escassa.
Com isso, conta Eudimar, houve produtores com renda de R$ 50mil a R$ 60 mil, já tirados os custos que estão na ordem de 25%.
Os castanheiros não estão ricos, mas hoje colhem, literal e figurativamente, os frutos do trabalho coletivo e da persistência e assim conseguem dar um exemplo pioneiro para o Amapá, para o Brasil e para o mundo de que são possíveis ganhos econômicos e qualidade de vida e a harmonia dos nossos maiores bens: o homem e a natureza.