Por RODRIGO ÍNDIO
Em 19 de julho de 2021, quatro funcionários procuraram a Comissão de Direitos Humanos da OAB-AP para denunciar a administração do Abrigo São José por situações de violação dos direitos dos idosos. Segundo eles, os abrigados sofrem maus-tratos, abuso patrimonial, psicológico e moral.
Os relatos gravíssimos detalham desde a apropriação do dinheiro do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – mesmo após a morte do idoso –, a não prestação de contas. Quem não entrega o cartão de saque do benefício, é ameaçado. Os idosos sequer têm direito a ler, ouvir rádio, ver ou falar com amigos e familiares, apontou a denúncia.
Na época, o espaço contava com 72 idosos, sendo 51 que recebiam BPC, sete eram curaletados (que têm representantes judiciais), uma aposentada e 13 não receberiam nenhum benefício. Atualmente, o número aumentou para 76 idosos.
Pelo menos 17 servidores, que trabalharam em épocas diferentes e não teriam sido coniventes com as ações da diretora, foram demitidos após abuso moral, segundo afirmam os denunciantes. Isso viria acontecendo desde que a atual direção assumiu o espaço.
Após a denúncia, a Comissão dos Direitos Humanos fez uma inspeção, no dia 26 de julho de 2021. A entrada das advogadas ainda chegou a ser proibida. Porém, elas conseguiram o acesso. Um grupo foi falar com alguns funcionários e idosos. O outro com a própria diretora, Belize Moraes, que ao ser surpreendida pela visita, mandou mensagem pedindo ajuda para uma funcionária.
Belize Moraes deu sua versão dos fatos na época. Veja:
Mas, idosos que têm BPC, relataram não receber os valores. Veja:
A versão da diretora não convenceu os membros da inspeção. Segundo Marcilene Rocha, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/AP, ficou constatada a veracidade das denúncias. Tudo foi colocado em um relatório.
“O objetivo é que tenha uma fiscalização maior no abrigo para que as autoridades tenham conhecimento do que acontece ali há anos. Realmente faltam muitas coisas básicas. Dessa inspeção, nós resolvemos encaminhar a denúncia em 27 de agosto ao Ministério Público do idoso, que é o dono da ação. Creio que ainda estão acompanhando. A gente vem aguardando”, disse Marcilene Rocha ao Portal SN.
Após a inspeção, a Comissão recebeu mais denúncias de que tudo continua acontecendo. Entretanto, agora, os servidores que restaram sentem medo ou se limitam a falar do assunto.
Contudo, uma das primeiras denunciantes conversou com o Portal SN.com e relatou que sentia “pena” dos idosos que lhe procuravam após sofrerem abusos. Cansada das pressões psicológicas que sofria e para provar as situações no local, decidiu gravar as falas da diretora. Muitas não podem ser divulgadas porque citam nomes de pessoas que temem represálias.
Porém, em um áudio que a reportagem teve acesso, Belize Moraes diz não ter medo de autoridades parlamentares – que seriam seus ‘padrinhos’. Em outra gravação, coage o idoso que queria seu cartão. Ouça:
A denunciante, que é assistente social, diz ter sido demitida por Belize ao ser descoberta pelos áudios. Antes de sair, escaneou os documentos que eram repassados para a diretora e continham comprovantes de recebimento dos valores dos benefícios que ela recebia pelos idosos. A diretora se apropria dos valores dos não curatelados e não presta conta, afirma a mulher.
“Com gritos, eles [idosos] faziam filas pra tá recebendo, tinha horário para receber o pagamento. Era uma quantia pequena. A mesma [diretora] quando colocava o valor, ela não colocava a quantia que ela tava passando para o idoso, deixava sempre em branco. O idoso colocava o dedo [impressão digital] porque a maioria não sabe assinar, pouquíssimos têm assinatura” relata.
A ex-funcionária afirma que os idosos não recebiam o valor integral a que tinham direito, pois a maior parte seria para compra de medicamentos. Do pouco valor que era repassado a eles, cerca de R$ 300, ainda tinham que ser gastos com exames – o que causou estranheza, já que esses serviços são ofertados a eles gratuitamente pelo SUS.
“Várias poupanças de idosos que não respondem [judicialmente] por si [curaletados] foram abertas pela diretora. Saí de lá tranquila, mas estou aqui pelos idosos, sempre por eles. Fiz o que meu coração pediu, poderia fechar meus olhos para o que lá acontecia, mas não seria eu. Com vários outros profissionais que saíram foi a mesma situação de não concordar com essas situações do financeiro”, desabafou.
Outros profissionais que trabalharam no local e os que ainda atuam no abrigo foram procurados pela reportagem do Portal SN. Eles confirmam as denúncias com os mesmos argumentos, mas não quiseram dar entrevista.
A reportagem foi até o Abrigo São José, tentou contato, mas não foi recebida – não havia ninguém na portaria.
Até esta publicação, a Secretaria de Inclusão e Mobilização Social (Sims), responsável pelo abrigo, e o Ministério Público, ambos consultados pelo portal SN.com, não haviam se pronunciado sobre o assunto.