Domingo choveu. Choveu a cântaros, a potes, a caixas de fibra de vidro. Choveu mais do que as goteiras do prédio conseguiram suportar, mais até do que minha poesia podia absorver. Choveu no sentido vertical e traiçoeiro da chuva (quando ela nos pega de surpresa vindo à horizontal).
Na rua, os exilados da chuva, abrigados sob as marquises. Nos ônibus quase vazios, os olhares dispersos dos passageiros seguem sem pressa a seus incógnitos sentidos/destinos. A impressão que dá é que a chuva aprisionou o tempo, achatou o domingo sobre o asfalto carcomido das ruas. E eu tenho que sair. Há um almoço me esperando lá fora.
Já fui fustigado por chuvas fortes em diversos lugares e situações, em uma voadeira navegando no Araguari, no meio da floresta da RDS do Iratapuru, em um barco indo ara o Bailique, numa estrada do Pará sem enxergar quase nada e ensopado até a alma. De todas elas sobrevivi, venho sobrevivendo. A chuva é minha amiga, pode me molhar.
Por isso aprendi a andar sob a chuva dando ao corpo as inclinações necessárias, como quem carrega a dor elegante de Leminski, para caminhar entre poças e biqueiras.
A chuva nos ajuda a refletir sobre as coisas com a devida paciência. Sobre nós, reféns de uma terra de extremos; da necessidade de termos uma casa bem construída, para que não se dilua como biscoito de maizena sob toneladas de água.
Foi um almoço de trabalho aquele em que tive a impressão de que a chuva reivindicava sua porção devida daquele peixe de rio, grelhado na manteiga, acompanhado de arroz e farofa. Sobrevivi a mais essa chuva, com uma missão: fazer um roteiro de um filme sobre chuvas e esperas. Realidades translúcidas da Amazônia.