Macapaense, pai, músico, marido, feliz e em busca de uma nova identidade musical para o Amapá. E assim que se define Finéias Nelluty, ou Finéias Reis da Silva, de 44 anos. Fineias, como músico, é mais que eclético. Apesar da formação musical que inclui jazz, rock e música instrumental, ele ficou muito muito conhecido em parte do país pela personagem “Jéssica Candomblé”, que fez sucesso no Amapá nos anos 2000.
Segundo filho de 8 irmãos e casado há 17 anos, Finéias está numa nova fase como artista. Criou a zankerada, uma mistura de ritmos da região com batida caribenha que ele defende como o autêntico ritmo amapaense, só que com um viés mais comercial que o marabaixo e o batuque.
A repórter Cássia Lima conversou com ele sobre referências musicais, a Bicha do Brega, a carreira clandestina na Guiana Francesa, referências como Legião Urbana, jazz, a influência do pai (também músico profissional) e a vez em que ele mandou Finéias criar vergonha na cara.
Como foi o início da carreira musical?
Eu comecei a tocar muito cedo. Meu pai era músico, professor Tiago. E eu comecei a tocar em casa vendo meu pai lecionar música e aprendendo como outros alunos dele. Com 9 anos já tocava violão e decidi tocar trompete. Papai tinha esses instrumentos em casa e eu mexia. Papai percebendo meu interesse disse – Tu quer ser músico mesmo? Vou te dar um presente – Ele me deu de presente o ABC musical, li tudo e disse agora estou pronto.
E quando você começou a tocar?
Toquei em igreja, na banda do mestre Oscar Santos, na banda do Francisco e aos quinze anos de idade me profissionalizei e fui tocar na banda Metrópole (que era uma banda do Circulo Militar). Lá passou a Patrícia Bastos, Bebeto Nandes, João Vitor, isso foi em 1985. Em 87 eu recebi um convite para tocar numa banda da Guiana Francesa. Foi uma aventura porque na época eu tinha 17 anos, fui clandestino. Atravessei o mar em pleno mês de março para chegar lá. Muita chuva. Isso foi a maior aventura da minha vida. Quase que o barco afunda.
Qual foi a experiência dessa banda?
A banda tocava de tudo. Desde ritmos afro-caribenhos, amazurca, beguini, compar, zouk, até merengue e salsa. Foi muito bacana. Eu aprendi muito musicalmente. Aquilo abriu minha imaginação e meu gosto. Voltei de lá no início dos anos 1990. Quando cheguei aqui fui trabalhar como guitarrista do cantor Kinzan Nery no auge da lambada.
Como era o cenário musical amapaense nesse período?
A música era muito boa. Tinha vários cantores com carreira mesmo, isso profissional. Ainda rolava os bailes. O repertório era outro. Muito mais inteligente. Em festas a gente tocava Ivan Lins, Djavan, 14ª BIS. Isso tudo rolava nos bailes e era muito bem consumido. Eu não sou tão velho, mas ainda peguei um pouco dessa festa e toquei também.
Com quem mais você tocou na época?
Toquei nas bandas The Tremp’s, Esquema geral, Videoclipe, Banda Brindes, onde era tecladista, e já fiz shows paralelos.
Quais as suas referências musicais?
Gosto muito dos mitos da juventude, como Legião Urbana, Cazuza, Raul Seixas, do próprio Renato Russo e Mamonas Assassinas. Toquei muito isso, era muito bacana porque a casa lotava. O público cantava tudo e pedia mais. Era incrível a energia do público.
Quando que você pensou em lançar CD?
Em 1989 eu produzi o primeiro cd dos Cabuçus, gravamos em Belém e começamos a viajar. E nasceu uma amizade muito boa, muita sacana, mas engraçada. Aí o Vardico (personagem do humorista Pádua, falecido no ano passado) disse: – porque tu não gravas um cd? o Lurdico começou a botar pilha. E foi por meio desse incentivo que em 1999 me veio à ideia de gravar um cd.
De onde veio à ideia da personagem Jéssica Candomblé?
Os Cabuçus viram esse lado artístico musical e humorado. E deram a ideia de ser um cd de humor. Eles me viram imitando uma bicha e disseram pra gravar o cd interpretando essa personagem. Pensei em um nome comum, mas colocando religião no meio para distrair. Então nasceu a Bicha do Brega, Jéssica Candomblé. Compus a primeira música que foi “Doador de Órgãos”. Mesmo tímido, eu mostrei pra algumas pessoas e disseram, cara isso vai fazer sucesso.
O humor sempre foi presente na sua vida?
Sim, sempre. Essa parte do humor veio do meu pai, que antes de músico trabalhou em circo e sempre nos alegrava em casa. Meu pai era músico, palhaço, trapezista e esse lado artístico herdamos dele. Eu cresci ouvindo as histórias dele e isso influenciou muito minha formação e minha carreira, inclusive nesse humor.
Como foi se travestir de um personagem?
Foi algo maravilhoso. Compus as 10 músicas para o cd. E foi um grande sucesso a Bicha do Brega. Eu viajei o Brasil todo com esse personagem. Eu gravei sem pretensão nenhuma, na maior sacanagem. Quando gravei trouxe para o papai ouvir e disse que eu ia sair para não ver a reação dele. Quando voltei ele me disse, meu filho vai criar vergonha nessa tua cara. Eu te ensinei a ser músico pra tu gravar isso?
Então seu pai não aprovou a ideia…
FN: Ele odiou a ideia de eu interpretar um gay, depois ele viu que era só sacanagem minha. E até se aproveitou. Ele dizia que era meu pai e conseguia desconto em corridas de táxi e outras coisas.
Qual o legado da Bicha do Brega?
Foi muito bom porque me popularizou no estado todo e no resto do país e até na Guiana Francesa. Ganhei muito público e muito carinho, também. A casa era lotada porque eu fazia música e teatro junto.
Porque o fim da personagem?
Em 2007 eu resolvi dar um tempo por vários fatores. O maior deles foi à autenticidade da personagem. As pessoas diziam que o brega é do Pará e que a personagem também era, mas eu tentava justificar que já formos um estado só, e temos costumes e gostos parecidos. Somos descendentes do Pará, mas não deu certo.
Como surgiu a zankerada?
Veio da necessidade de a gente ter uma identidade. Hoje temos o marabaixo e o batuque, que fazem parte das nossas raízes. Eu respeito muito essa nossa tradição. Mas acho que a gente precisa de um produto comercial. Para o povão mesmo. Eu decidi mesclar vários ritmos da Guiana e do Amapá. Mexe aqui e vira ali. Assim nasceu o ritmo.
E a ideia do nome surgiu de onde?
Pois é. Misturamos tanta coisa e no fim precisava de um nome. Pensamos em vários nomes, mas à priori usamos o sufixo “ada”. Aí veio o estalo de zankerada. Não sei de onde veio isso. Mas saiu esse nome. Decidimos usar. Eu tenho certeza que o ritmo é amapaense e é do Amapá.
Qual o encaminhamento para a carreira?
Eu pretendo gravar um dvd para divulgar mais o ritmo. Chamar outros artistas amapaenses para somar com a gente. Estou focado nisso. Não quero fazer sucesso. Quero divulgar o meu estado. Eu quero fazer algo que fique na história do Amapá.
Você tem um quinteto de jazz. Qual o objetivo desse projeto?
Pois é. Eu faço parte do Amazon Music, que é a maior expressão da música instrumental no estado do Amapá. O projeto começou de 2006 pra 2007. Foi um momento que eu havia parado com a Jéssica Candomblé e buscava minhas identidades. Desde criança toquei musica instrumental e queria voltar a tocar isso. Juntei uma galera que também sacava do som. Fizemos cursos e nos aprofundamos. Começamos a tocar nas Quintas do Jazz e continuamos divulgando a música.
Na sua opinião, o que precisa melhorar no cenário musical amapaense?
Olha, a gente ainda está em busca de muita coisa. Nosso estado é novo. Muita coisa precisa ser criada. Eu sei que produzimos bastante se formos nos comparar a outros estados. Temos muita gente competente aqui. Mas ainda faltam novas sonoridades, inquietudes, novas roupagens para atender a ansiedade dessa nova geração.
Pra quem sonha em viver de música, qual a dica que você deixa?
É muito difícil viver de música. Eu sobrevivo da música. Mas, eu incentivo a pessoa a cursar uma faculdade. Ter uma condição financeira estável para poder ter a música em segundo plano. Se você quer ser músico tem que estudar todos os ritmos e gêneros. A internet está aí. Saiba aproveitar e tenha fé em Deus. A música é fantástica e exerce poder sobre quem faz e sobre quem consome.