André Silva, especial para o site
Ao passar por aquele velhinho de coturno preto, uniforme branco meio militar, e de andar quase cambaleante, me veio à memória uma imagem da minha adolescência, como um deja vu. Ver aquele velhinho de pele negra, vestido de “marinheiro” em passos lentos e fortes (como se estivesse marchando), me fazem lembrar do tempo em que morei naquele bairro, o Santa Rita.
Quem mora ou passa pelo Santa Rita, em Macapá, já viu essa figura andando pelas ruas. Mas pouca gente conhece sua história. Seu Joaquim Picanço do Espírito Santo tem 88 anos, e é chamado de “Marinheiro”. Decidi conhecê-lo e matar a curiosidade, a minha e a de vocês que acompanham esse relato.
Ao chegar a sua casa bati palmas (depois de perguntar a moradores onde ficava), e logo uma figura vestida de branco, acompanhada de um cachorro, apareceu e perguntou: “quem é? Chegue mais!”
Quando pergunto seu nome, num grito ele diz: “fale mais alto, não escuto bem!”
Fui entrando, e logo percebi a atmosfera. Era um lugar diferente. À direita, um altar com velas e imagens de santos da Igreja Católica. Nas paredes e no chão, um símbolo com uma flecha, duas espadas e uma estrela, que ele diz representar seus “amigos que o guiam”.
Acabei pisando sem querer no símbolo, e logo ouvi uma esculhambação: “Não pisa!”, mas já era tarde.
Me pediu que o acompanhasse até uma antessala, aonde ele diz fazer atendimentos diários. E lá iniciamos a conversa.
A entrevista
Marinheiro, ou seu Joaquim, se define como “doutor nas ciências ocultas”. Diz que teve sua primeira experiência com o sobrenatural quando tinha cinco anos de idade. Ficou desaparecido por um mês e quinze dias, e disse que nesse período foi transportado para lugar chamado “Fortaleza” (que não é no Ceará, claro), que seria um lugar espiritual localizado num mundo chamado “Encanto”.
Não entendi muito bem essa resposta, e perguntei de novo. “No Encanto!”, repetiu ele. “É um lugar encantado”, explicou, “fica onde o homem não pode ver”.
Nessa época, Marinheiro diz que morava numa localidade chamada Retiro, no KM 13 da BR-210. Lá ele teria recebido instruções de como utilizar as habilidades das quais estava recebendo ali.
Quem são eles, esses seres?
Os espíritos que moram lá. São muitos, trilhões e trilhões de espíritos.
O que tem lá nessa “cidade”?
Tem tudo que tem aqui. Casas, cavalos e grande exército de Jesus Cristo e do rei São Sebastião. Tem igreja também com a imagem do Sagrado Coração de Jesus. Lá eu fui iniciado nas ciências ocultas pelos espíritos mais sábios daquele lugar. Quando voltei todo mundo achava que eu estava morto.
E depois disso, onde o senhor sua juventude?
No Oiapoque, servi a Marinha durante a 2ª Guerra Mundial. Eu servi com mais 300 homens. Eu era o encarregado de armas e comandava 30 homens. Quando a guerra acabou dei baixa e vim para Macapá no Aço Oiapoque (embarcação usada pelos soldados nos rios da região), e vim morar aqui no Santa Rita.
Quais as habilidades sobrenaturais o senhor realiza nas sessões?
De tudo. Desde de cura câncer de colo do útero, até trazer o marido ou a esposa de volta.
Isso é candomblé?
Não! (ele responde visivelmente irritado) Não mexo com essas coisas. Aqui agente só fala do Pai Deus e de Jesus cristo. A “macumba” é do tinhoso, do caído.
O senhor disse que cura o câncer?
Sim. Eu preparo uma garrafada e a mulher toma. Com quarenta dias ela já tá boazinha (responde com um sorrisinho).
A companheira
Seu Joaquim mora com a mulher, dona Marciana de Lima Martins, 84 anos, há mais de 40 anos. Perguntada sobre se ela concorda com o que o marido faz ela afirma sem pestanejar que sim. “Ele já ajudou muita gente”, justifica.
Quando seu Joaquim me leva pra conhecer sua casa, me mostra um poço dentro da residência que ele mesmo cavou ainda jovem. Exibi-o como um troféu, e diz orgulhoso que “nunca secou”. “Tem vezes que água parece que vai chegar na boca”, exagera.
Seu Joaquim não teve filhos com a atual companheira. “Ele teve um filho com uma mulher fora do casamento. O rapaz já é falecido”, explica dona Marciana com certa chateação.
Ao me despedir, já na porta da casa, batizada de “Seara Espírito Santo”, Marinheiro me deu um abraço e disse que sou sempre bem vindo. Com um gracejo respondo: “o que?”, levantando a mão ao ouvido. Ele entendeu e riu.