Cirurgião explica infecção grave em pacientes e defende legado: ‘100 mil cirurgias de sucesso’

Afonso Neves, diretor médico do Mais Visão, detalhou suporte que está sendo dados a pacientes que perderam a visão, parcialmente
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Por SELES NAFES

Dos 104 pacientes que tiveram um dos olhos infeccionados após cirurgias de catarata no Mais Visão, em Macapá, oito precisaram que o globo ocular fosse retirado em novos procedimentos, informou ontem (24) o diretor médico do programa, o oftalmologista e cirurgião Afonso Neves. Em entrevista ao Portal SN, o médico defendeu o legado do programa que realizou mais de 100 mil cirurgias em três anos, sendo 60 mil de catarata.

Neves confirmou que pelo menos 50 pacientes estão sendo atendidos em centros especializados fora do Amapá, mas afirmou que o programa está arcando com todas as despesas pagas aos pacientes e acompanhantes, seguindo determinação do governador Clécio Luís (SD) e do senador Davi Alcolumbre (UB), criador da iniciativa e articulador financeiro do programa.

Existem dúvidas do Ministério Público sobre como acontecem os mutirões de cirurgias, e se são seguros para os pacientes. O senhor pode explicar?

O segredo industrial dos mutirões é ter uma metodologia, um sincronismo para otimizar o tempo dos procedimentos. Essa logística permite operar um grande número de pacientes. A gente opera em média de 100 a 150 por dia. Esses pacientes não são atendidos de uma forma rápida, mas de uma forma precisa, com sincronismo de esforços. Para isso, temos um grupo de colaboradores muito bem treinado com mais de 10 anos de experiência.

Como é essa sincronia, esse método?

O paciente chega no serviço, faz as avalições pré-operatórias, dos exames clínicos aos oftalmológicos como da retina, que em poucos lugares é feito. Aí é marcado o dia para a cirurgia numa sincronia que aproveita bem o tempo. Nossos médicos têm mais de 15 anos de formação. Nosso índice de complicações, com exceção do dia 4 (de setembro), é mais baixo até que da própria academia americana e de qualquer centro do Brasil. Isso é devido à nossa precisão e aproveitamento do tempo. O nosso segredo industrial está nisso. Precisamos ter uma grande capacidade de processamento de cirurgias porque trabalhamos com (tabela) do SUS, se não teríamos um grande prejuízo financeiro. Somos pioneiros em fazer esses mutirões fora de ambientes universitários. Sempre usamos material de primeiríssima qualidade, de última geração, dentro dos protocolos da Vigilância Sanitária. Por isso temos essa entrega.

Mas então o que causou essa infecção?

Estamos trabalhando num ambiente tropical, da Amazônia. Com fungos. Foi um patógeno muito raro, que só foi observado em dois locais no mundo. Esse foi o terceiro caso e é difícil diagnosticar. Quando ocorre a contaminação é extremamente catastrófico. Por isso, é difícil o paciente escapar. A maioria perde a visão, perde o globo ocular.

“Segredo industrial”: diretor explica que fluxo elaborado por equipe permite até 150 cirurgias por dia: sincronismo de procedimentos

Como se deu a infecção?

É muito difícil rastrear. Estamos trabalhando com a doutora Heloisa do Nascimento, um dos maiores nomes na infectologia mundial e em fusariun polini (nome do fungo). Obviamente que a contaminação se deu no centro cirúrgico e existem muitas teorias. De 141 pacientes operados naquele dia, 104 apresentaram infecção. Ou seja, mais de 30 não foram infectados. Nos outros quatro dias fizemos mais cirurgias, totalizando 540 pacientes. Temos 60 mil cirurgias de catarata com apenas 104 infectados em três anos, e isso ocorreu em uma única data, num dia só. Um capricho da natureza.

Quando o senhor fala em capricho da natureza, o senhor está dizendo que não foi por manipulação humana?

Se eu disse isso, estou tão errado quanto afirmar que foi um ato criminoso. Os dois são possíveis na mesma intensidade. Mas tô falando um patógeno extremamente raro. Há 30 anos, o Instituto Burnier (especializado em doenças dos olhos) teve essa ocorrência durante vários dias, e detectaram que o fungo estava entrando pelo ar condicionado trazido por fezes de pombo. Foram vários dias contaminando. É o que a história nos conta. Anvisa disse que tínhamos que usar uma cuba eletrônica, mas até nos EUA ela é proibida. A medicina de ponta é a americana e procuramos seguir. Nossos mecanismos de esterilização são os mesmos dos mais respeitados centros cirúrgicos do Brasil. Nada que tenha fugido da rotina, nada de forma universitária. Somos responsáveis sim, mas temos que achar a causa. Somos tão vítimas quanto os nossos pacientes. É como se um avião da Emirates (empresa aérea dos Emirados Árabes) tivesse caído, o que é extremamente raro. Não acredito na teoria de contaminação criminosa, mas seria infantil se descartasse.

Atendimentos começam com exames pré-operatórios…

Atendimento nos Capuchinhos ocorreu por três anos…Fotos: Arquivo SN

…com 100 mil cirurgias realizadas, sendo 60 mil de catarata

Como a empresa lida com a verba federal?

Toda verba é auditada, transparente. Somos conhecidos no Brasil por não darmos propina para ninguém. 

Qual suporte a empresa está dando para os pacientes afetados?

Todos foram assistidos de imediato, com todos os protocolos da SVS para surtos de endoftalmite. Estamos dando toda medicação, transporte aéreo, terrestre. Nos Capuchinhos colocamos de plantão médicos oftalmologistas, clínicos e anestesistas para dar assistência, além de enfermeiras, assistentes sociais e psicológicos, além de alimentação para os pacientes e acompanhantes. Estamos mantendo pacientes em Belém e São Paulo sendo hospedados em hotéis 3 ou 4 estrelas, com motoristas, alimentação e todo o suporte nos tratamentos. Já usamos mais de R$ 2 milhões.

Quantas pessoas perderam o globo ocular?

Foram feitas oito eviscerações, que é retirada do conteúdo ocular, quando o paciente fica cego (parcialmente) em definitivo. Dos 104 pacientes infectados, 95% poderão ficar com visão igual ou inferior ao que tinham antes do ato cirúrgico. Desses 95%, cerca de 30% podem perder a visão, mas é difícil falar porque o olho é um órgão que evolui muito rápido, tanto para melhor, quanto para pior.

Seles Nafes
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