Por SELES NAFES
O juiz federal Jucélio Neto, da 5ª Vara Federal do Amapá e membro do pleno do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AP), surpreendeu os colegas da corte com um pedido inusitado para os tempos de hoje. Citando o “direito à privacidade à intimidade”, ele pediu que, nos dias em que estiver participando dos julgamentos, que a sessão do tribunal não seja transmitida pelo Youtube.
O requerimento verbal foi feito na sessão do último dia 11 de dezembro. O magistrado alegou que optou em não ter redes sociais, como Facebook e Instagram, e que não considera o canal do tribunal no Youtube um meio oficial de comunicação da justiça eleitoral.
“É uma opção minha (não ter redes). Eu gostaria que a minha imagem e a minha voz não fossem divulgadas também no Youtube. Teria como, nas sessões em que eu participar, não haver transmissão no Youtube?”, indagou.
O presidente do tribunal, desembargador João Lages, não escondeu a surpresa e perguntou se o magistrado estava recebendo ameaças. A resposta foi ainda mais surpreendente.
“Eu entendo que excessiva publicidade é para satisfação de ego pessoal, e eu não gosto dessa exposição. Eu sempre me senti incomodado com esse tipo de situação, e cheguei a conclusão que não gostaria da minha imagem no Youtube”, pontuou Jucélio Neto.
Lages lembrou que o próprio STF e 91 tribunais em todo o Brasil transmitem suas sessões por uma questão de transparência.
“Quando um juiz está sendo ameaçado temos que ter todo o cuidado, mas não é o caso. Podemos tirar a imagem, mas como vamos tirar a voz (durante o voto nos processos)?”, questionou.
“Por isso eu não gostaria que fosse transmitido pelo Youtube, pelo direito de privacidade”, insistiu o juiz.
Lages defendeu a transparência dos julgamentos, por entender que as transmissões ajudam a sociedade a compreender o trabalho judiciário.
“Vamos voltar julgar fechados? Voltar a ser o que falavam, que o judiciário é uma caixa preta?”, ponderou.
“A porta pode ficar aberta, e qualquer cidadão pode entrar e assistir”, retrucou o juiz federal.
Votação
O presidente decidiu colocar o requerimento do juiz em votação. De forma objetiva, a representante do Ministério Público Federal concordou com a alegação do magistrado sobre o direito de privacidade e votou a favor.
Outro juiz federal, Anselmo Gonçalves, disse que não também não possui redes sociais. No entanto, entende que os magistrados são servidores públicos que precisam agir com transparência. Ele também citou a transmissão das sessões por todos os tribunais.
“Entendo que o magistrado não deve fazer manifestações nas redes sociais, mas em relação aos julgamentos, se os autos são públicos, não vejo nenhuma razão para que o que nós tratamos em plenário não seja de conhecimento público. Estamos tratando da coisa pública e há de prevalecer a publicidade nesse confronto de normas constitucionais”, comentou.
O juiz Paulo Madeira acrescentou que os magistrados não buscam likes com a transmissão dos julgamentos.
“Todos os tribunais, inclusive o Supremo, utilizam a plataforma no Youtube como porta de entrada da sociedade. O tribunal faz uma prestação de contas com a sociedade brasileira. É um pedido inadequado e nem é razoável. Que seja indeferido sumariamente”, argumentou.
O juiz Normandes Sousa não achou o pedido descabido, mas entendeu que a transparência é um caminho sem retorno. Se houver ameaças ou outros crimes pelo trabalho do juiz, acrescentou, existem meios de apuração.
Os demais juízes disseram respeitar a manifestação, mas avaliaram que a suspensão da transmissão pelo Youtube seria um retrocesso. Além disso, não teria eficácia, já que a imagem do juiz e a voz dele já estão nos arquivos do Youtube há alguns anos. O TRE criou o canal na plataforma de vídeos em 2017.