Por YURGEL CALDAS *
“Luiz Jorge Ferreira, Fernando Canto, Elton Tavares e Lorena Queiroz entram em um bar”. Esta brilhante introdução de Elton Tavares – um dos autores de Antolobares – diz muito do que a experiência de habitués de bares de Macapá, mas não só, pode produzir.
Nesse caso, o próprio livro Antolobares – publicação quentinha de 127 páginas da editora paraense Paka-Tatu – é testemunho de si pelo produto que revela: a reunião de inteligência e sensibilidade em forma de crônicas espirituosas, nostálgicas, precisas e dramáticas de Lorena Queiroz, Elton Tavares, Fernando Canto e Luiz Jorge Ferreira.
Nessa coletânea, temos textos que se aventuram na arte de fotografar o espírito de um tempo com diversas temporalidades, onde o presente e o passado dão a medida da temperatura de uma vivência pela qual é possível sonhar vários futuros.
Entre tragos de destilados e fermentados, doses de tira-gostos bem ou mal passados, muito papo e diálogos delirantes, seja com um interlocutor, consigo mesmo ou um ninguém imaginário, Luiz Jorge, Fernando, Elton e Lorena formam o que poderíamos chamar de uma Academia Amapaense do Álcool – quase um anti-AA.
Do politicamente incorreto à mais profunda tese psicanalítica, os autores (mestres e discípulos uns dos outros e inspiração para muitos) demonstram em suas crônicas a capacidade de síntese de uma sociedade e uma cidade em franca transformação, tanto na paisagem quanto na sua mentalidade.
Luiz Jorge Ferreira e Fernando Canto, por exemplo, ficcionistas e poetas que são, desfilam crônicas em sua bruta delicadeza numa linguagem e estilo que, ao mesmo tempo, restauram uma memória da cidade, seja Belém ou Macapá, que se mostra na experiência e no trato com o acaso, a repetição e o inusitado. É assim na crônica “Defronte ao Bar Estábulo… Sal para Cavalos velhos” e “Dragão do Mar”, de Luiz Jorge, e em “O Velho das Latas” e “O traído do bar da Mariah”, de Fernando.

Autores: Lorena Queiroz, Elton Tavares, Fernando Canto e Luiz Jorge Ferreira
Já Elton Tavares e Lorena Queiroz são sacerdotes que fazem preces ao estado etílico do corpo e, claro, da alma. E cantam mantras para o equilíbrio desarrazoável das palavras molhadas de ensinamentos pelo bom e pelo mau exemplo (prática somente dada aos iniciados nesse culto) de planos falíveis, promessas, esperanças e desencantos – matéria de que é feita a vida.
Nesse “vislumbre da dose” (frase epifânica de Lorena na crônica “Só uma dose de felicidade”), somente o ato de beber proporciona o transe necessário para a equalização na justa medida dionisíaca (o Deus pagão dos exageros) daquilo que transborda: ironia e verve analítica para a jornada de (auto)conhecimento que é respirar e “desejar profundo”, como ensina o bom e velho Raul Seixas.
Isso transborda nas crônicas “Não deu pra escrever algo legal. Então vamos beber” e “Há um novo bar restaurante na cidade. Poucas novidades e velhas canalhices”, de Elton Tavares; e em “O Esporte Favorito” e “O Porão da Velha Marta”, de Lorena Queiroz.
Consultório e templo, arena e tribunal, está provado que “o bar é uma antena social”, como diz Fernando Canto, organizador deste volume. Afora a porcentagem alcoólica que exala desses textos líquidos e densos, voláteis e vibrantes, essa antologia dos bares, que é a presente edição de Antolobares, possui também um gole de apologia. Uma apologia não meramente ao alcoolismo, que não é um fim em si mesmo, mas o veículo do qual se servem Luiz Jorge Ferreira, Fernando Canto, Elton Tavares e Lorena Queiroz para vislumbrar uma ascensão que celebra os encontros do cotidiano. E são encontros com parceiros, com grupos ou mesmo com os seus eus – estes muitas vezes os mais necessários, a depender do espírito do momento ou das conjunções astrais, dos movimentos das marés e dos búzios, ou das runas de Calçoene.
Enfim, seja no balcão, na calçada, no banheiro, na cozinha ou no quarto, o que vale é a força cósmica e o desejo dos encontros que Antolobares proporciona e inspira. Ouvi um Amém?
Serviço
Lançamento Livro “Antolobares”
Data: 14 de março de 2025 | sexta-feira
Hora: 19h
Local: Auditório Campos do Laguinho – SEBRAE-AP – Av. Ernestino Borges, 740 – Julião Ramos, Macapá/AP
Editora Paka-Tatu: Belém/PA
Atendimento à imprensa: Bruna Cereja – Contato: 96 98130-0321
* O Prof. Dr. Yurgel Caldas é escritor, professor de Literatura da Universidade Federal do Amapá e coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da mesma instituição de Ensino Superior.