Por SELES NAFES
Uma série de áudios obtidos com exclusividade pelo Portal SN de visitantes da Penitenciária Masculina (o “Cadeião”) revelam que o presídio, segundo os relatos, funcionava sob uma espécie de “gestão compartilhada” com facções criminosas. Os diálogos escalam para ameaças de morte ao atual presidente do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen), Luiz Carlos Gomes Junior, após a adoção de novas regras de visitas que romperam com antigos privilégios e controles paralelos no sistema carcerário.
Em um dos áudios, uma mulher relembra com nostalgia o período em que as visitas ocorriam sem restrições, descrevendo cenas de festas e entrada de alimentos:
“Eu já visito essa cadeia aí na época que tu entrava…ô tempo bom, meu Deus, Deus me perdoe… entrava de short, tu entrava de saía curta, tu entrava com blusa de alça, tu entrava de salto, sapato de salto, entrava com sandália Samoa, tu levava o teu churrasco pra comer lá dentro com a tua família…”, diz uma das mulheres.
A mesma visitante confessa que, mesmo sem ter familiares presos, frequentava o presídio a convite da prima e participava da rotina de visitas levando alimentos.
“Eu cheguei a visitar nessa época. Eu não tinha filho, eu não tinha ninguém lá dentro… aí a minha prima, o marido dela foi preso… através dela que eu fui conhecer a cadeia…”
Ameaça e o juiz afastado
Em outro trecho do áudio, há uma ameaça velada ao diretor do IAPEN, numa possível referência ao assassinato do policial penal Estevam Carvalho Trindade Júnior, ocorrido no mês de julho, em Santana.
“Diz que vão tirar ele (diretor Luiz Carlos). Eu acho que silenciaram o cara errado, era pra isso que o *** tá comendo minhoca uma hora dessa”, avaliou.
Outro áudio reforça as denúncias sobre a atuação de lideranças criminosas na gestão do presídio, exaltando a antiga diretoria e criticando as mudanças.
“O anterior a esse diretor (Lucivaldo), quando ele ia fazer qualquer coisa, ele chamava as lideranças aí de dentro, tanto das mulheres quanto dos pavilhões, pra ver se eles estavam de acordo […] Era isso que ele fazia. […] Tiraram ele, tiraram o (juiz) João Matos justamente pra fazer o que eles querem esse pessoal aí.”
As falas sugerem que a antiga administração mantinha diálogo direto com lideranças internas dos pavilhões e do grupo de visitantes — o que configura, na prática, um modelo de cogestão com organizações criminosas.
O juiz João Teixeira de Matos Júnior, citado no áudio, está afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde abril de 2024. Segundo apuração da Corregedoria Nacional de Justiça, o magistrado concedeu progressões de regime a pelo menos 44 presos sem parecer do Ministério Público, inclusive a integrantes de facções, colocando em risco a segurança pública do estado.
As novas regras no sistema de visita
Em julho deste ano, o IAPEN adotou um novo modelo de visita na Penitenciária Masculina, encerrando práticas que permitiam contato livre entre visitantes e internos. Agora, as visitas ocorrem em um ambiente climatizado, monitorado por câmeras e com vigilância permanente da Polícia Penal.
O espaço dispõe de banheiros e estrutura para garantir segurança e dignidade às famílias, além de evitar situações como extorsões, abusos sexuais e uso de mulheres para introdução de drogas no sistema.
Antes das novas medidas, visitantes — muitas vezes coagidas — circulavam livremente entre os internos. Hoje, o contato é individual, com revista rigorosa antes e depois do encontro.

Diretor Luiz Carlos no dia em que anunciou mudanças para visitação de presos: ameaça velada
Fim do domínio sobre filas e senhas
A reformulação também rompeu com o sistema de controle das filas de visita, antes dominadas por facções. Senhas eram vendidas ou distribuídas de forma arbitrária, e visitantes passavam horas ou madrugadas na frente do presídio para garantir entrada. Agora, o acesso ocorre mediante agendamento, com entrega de cartões de visita em horário fixo e entrada simultânea, assegurando tempo igual de visitação a todos os internos.
Procurado pelo Portal SN, Luiz Carlos Gomes Junior, que também é delegado de polícia, classificou as mudanças como estratégicas para desarticular o crime organizado e restaurar o controle estatal sobre o presídio.
“A visita é um direito. Ela não pode ser um sofrimento, nem um meio de promoção das ações criminosas das facções. Portanto, o que está sendo feito no Cadeião não é apenas ‘organização de visita’. É uma ação estratégica que atinge o crime organizado, desarticulando ações perigosas que colocavam a vida de muitas mulheres e famílias sujeitas ao controle das facções criminosas. O Governo do Estado e a Polícia Penal estão reassumindo o controle do sistema prisional”.