GESIEL OLIVEIRA –
O Rio Araguari é o maior rio genuinamente amapaense, pois tem sua nascente na Serra Lombarda, noroeste do Estado, e atravessa vários municípios, como as cidades de Porto Grande (cujos primeiros habitantes chegaram por ele), Ferreira Gomes e Cutias do Araguari. É um rio historicamente vinculado à origem daquele povo.
O Araguari deságua no oceano Atlântico, no limite entre os municípios de Amapá e Cutias do Araguari, e formava até pouco tempo ondas gigantescas que davam origem a pororoca pelo encontro das águas doces do Araguari com as águas salgadas do Oceano Atlântico, ativadas pela força gravitacional da lua sobre a Terra e pela consequente variação das forças da maré.
Pois bem, hoje eu não quero falar sobre a vazão do Araguari, nem sobre os terríveis impactos ambientais provocados pela bubalinocultura ou pelo assoreamento. A situação é cada vez mais complexa neste rio. Os efeitos da antropização agora atingem a ictiofauna (fauna aquática). E esse recente problema ambiental atinge o Amapá de um forma avassaladora.
Hoje (13.11.15) ocorreu a terceira grande mortandade de peixes que apareceram boiando em frente à orla de Ferreira Gomes. Com uma diferença, a quantidade de peixe mortos dessa vez foi maior que todas as outras vezes.
O aparecimento de peixes mortos no leito do Rio Araguari vem preocupando pescadores, moradores do município de Ferreira Gomes, distante 137 quilômetros de Macapá. Desde a implantação do projeto de construção de uma hidrelétrica próxima a Ferreira Gomes, os peixes mortos vem aparecendo no rio, e isso só é constatado no início das manhãs, em um trecho próximo ao município de Ferreira Gomes, o que nos ajuda a dar uma dica sobre as reais motivações, apesar de não podermos ainda atribuir a culpa exclusivamente a nenhum causador, pois os laudos definitivos ainda não foram concluídos.
A mortandade já foi alvo de protestos contra a empresa executora da obra e alvo de investigação por parte do Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial (Imap) desde setembro de 2014 quando ocorreu a primeira mortandade de peixes semelhante a essa.
Moradores relatam que a cada vez que isso acontece, os peixes aparecem mortos em quantidades maiores. O mau cheiro e a presença de urubus são constantes na orla da cidade sempre que isso acontece. Há uma preocupação generalizada quanto ao consumo de peixes provenientes do Rio Araguari, em razão das dúvidas quanto às causas, e isso tem impactado profundamente a pesca artesanal nessa região.
Os pescadores são os mais atingidos diretamente, e os efeitos secundários atingem a economia municipal local provocando muitos questionamentos e preocupações por parte dos munícipes da região atingida.
A empresa Ferreira Gomes Energia, responsável pela construção da hidrelétrica, tem sistematicamente alegado que o problema nada tem a ver com a construção da barragem.
Sabe-se que a construção de hidrelétricas afeta o ciclo de reprodução natural de muitas espécies de peixes, pois na piracema as espécies costumam subir rio acima para a desova e reprodução. A construção da barragem atrapalha esse processo natural.
A usina tem recomendação legal para não acionar as turbina acima do limite permitido, especialmente durante o período de reprodução dos peixes, no qual cardumes gigantescos sobem o rio para se reproduzir. Se isso ocorre, é comum termos o que chamamos tecnicamente de “barotruma”.
O rápido crescimento populacional humano que estamos vivendo na atualidade traz consigo um enorme apetite por recursos para se sustentar. A produção energética é um desses desafios ao crescimento sustentável. A crescente demanda por energia tem gerado grandes investimentos no setor hidrelétrico.
As usinas hidrelétricas podem causar diversos impactos ao meio ambiente, desde aumento do volume d’água antes da barragem, até o rebaixamento do nível do rio depois da barragem. Dentre tantos impactos ambientais, um dos mais severos é a mortandade de peixes pela passagem próxima às turbinas ou quando as comportas são abertas, provocando um impacto que provoca eviscerações ou lesões internas letais nos peixes.
É semelhante ao efeito provocado pelo detonação de uma bomba, ao que chamamos de “barotraumas”. As variações de pressão a que esses peixes se submetem nessas circunstâncias, podem gerar barotraumas (como exoftalmia -olhos saltados) condição caracterizada por uma protuberância para fora da órbita do olho do peixe, é geralmente causada pela submissão à altas cargas de pressão ou variação de condições da temperatura na água; eversão (destruição) do estômago e intestino, embolia, etc.).
É comum também nessas situações a embolia em peixes provocada pelo turbilhonamento da água despejada em grande quantidades pela abertura de grandes comportas das hidrelétricas. A embolia acontece quando o sistema sanguíneo e pulmonar ficam obstruídos por coágulos decorrentes de bolhas de ar excessivas no ambiente aquáticos, provocando um processo de asfixia irreversível e fatal.
Há uma baixa quantidade de informação sobre o assunto, principalmente quando se trata do conhecimento relativo às espécies e usinas hidrelétricas na Amazônia, onde os impactos podem ser ainda mais devastadores. Em muitos casos o acionamento das turbinas e o descumprimento da orientação ambiental provocam a morte de peixes em grande quantidade, e normalmente isso acontece próximo à barragem.
Hoje o problema voltou a acontecer no Rio Araguari, com o aparecimento de peixes mortos no local próximo à obra da barragem, e o IMAP alegou que constantes exames foram feitos descartando a hipóteses de contaminação da água.
Há também alguns pescadores que desconfiam que produtos químicos tenham sido jogados pela hidrelétrica no leito do rio no processo de lavagem das hidrelétricas, mas nada foi confirmado até o presente momento.
Há também relatos de funcionários da empresa que informaram que foi feita uma limpeza (dentro da hidrelétrica) em agosto com sabão em pó, solução de bateria e outros produtos, o que poderia ter provocado esse efeito próximo à barragem. Segundo os moradores das proximidades, as espécies de peixes mais atingidas foram: acari, filhote, piranha, aracu e tucunaré.
Outra causa provável seria o rebaixamento do nível do rio, em decorrência da construção da barragem, o que teria provocado uma variação da temperatura da água do rio, suficiente para provocar a mortandade de muitas espécies aquáticas.
Barotrauma, contaminação com substâncias químicas, variação térmica provocada pelo rebaixamento do nível do rio em decorrência da construção da barragem ou causas naturais? Há diversas hipóteses, mas o mistério acerca da mortandade dos peixes continua.
Os laudos definitivos dos órgãos ambientais ajudarão a compreender a motivação desse fenômeno, mas pelo que tudo indica, as causas estão ligadas à construção da barragem e o inadequado controle da vazão de sua comportas.