Ele já trabalhou como malabarista, trapezista, peão de boiadeiro e camelô até que e 2009 foi o personagem principal de um documentário produzido no Amapá e que ganhou o DOC TV, promovido pelo Ministério da Cultura, e um dos mais importantes festivais áudio-visual do Brasil. O nome do filme: Simãozinho Sonhador, de Manoel do Vale e Gavin Andrews. Recentemente, foi homenageado com o edital de literatura da Feira de Livros do Amapá (Flap). Atualmente é escritor, poeta de cordel, compositor e cantor. Quem vê o senhor de 82 anos caminhando pela cidade nem imagina que ele é ícone da cultura nortista. Na carteira de identidade tem o nome de Simão Alves de Souza. Nossa reportagem procurou saber o que Simãozinho anda fazendo da vida.
Nascido no dia 28 de outubro de 1931, Simãozinho tem na bagagem muita história para contar. Morou no Maranhão, onde trabalhou no Circo Montenegro por sete anos. Depois se mudou para Belém, onde casou e teve filhos. Foi para Fortaleza e por insistência de um de seus filhos, veio morar em Macapá, onde reside há 17 anos. Muito alegre e gentil, o poeta vive em uma casa simples no bairro Novo Horizonte que, segundo ele, é o melhor lugar do mundo.
O apelido Simãozinho Sonhador veio de sua primeira obra publicada ainda como trapezista. Muitos só o conhecem pelo apelido, mas isso não importa, ele até gosta. Com 22 livros publicados, ele conta como é ser escritor do Norte, fala de sua carreira musical, como viveu sem sua mãe, a perda da sua esposa, a vida distante dos filhos e como administra tudo isso.
Como foi sua infância?
Simãozinho Sonhador: Minha mãe morreu quando eu ainda era um bebê. Fui criado pela minha madrasta, que me deu amor, carinho. Foi realmente uma mãe de verdade para mim. Ela cuidava de mim como se eu fosse filho dela realmente. Não tenho o que me queixar da minha infância. Foi maravilhosa.
O senhor já escrevia poemas quando era adolescente?
Simãozinho sonhador: Já sim. Quando fui trabalhar no circo e lancei meu primeiro livro chamado Simãozinho Sonhador tinha esse poema inicial:
Alerta Brasil, alerta
Com este historiador
Com seu livro de sonho
Esta obra de valor
O titulo do livro
É Simãozinho Sonhador
Recebi do criador
Esta humilde inspiração
E dons que vem do alto
Onde alegrou meu coração
A escritura nos diz
Que sonho é uma visão
Pois o Deus de Abraão
Alertava os profetas
Por intermédio de sonho
Como você foi trabalhar e morar no circo?
Simãozinho Sonhador: Eu tinha 16 anos é era fascinado pelo circo, mas não pensava em trabalhar. Até que o Circo Montenegro passou na minha cidade e anunciaram que precisavam de um malabarista, e eu fui. Avisei para minha família, mas eles pensaram que era brincadeira, até que no dia seguinte liguei de outro município e disse que estava viajando com o circo. A princípio eles não gostaram, mas depois acostumaram. Meu pai ficou preocupado e disse que eu poderia sofrer um acidente e foi o que aconteceu.
Como foi esse acidente?
Simãozinho Sonhador: Eu já estava no circo havia seis anos. A estrutura daquele tempo era outra, a plateia ficava bem embaixo do trapézio. Não tinha segurança nenhuma. Eu e outro trapezista fomos nos balançar. A corda arrebentou e caímos bem onde o público estava. Meu amigo quebrou o pescoço e morreu na hora, eu desmaiei. Quando acordei estava internado, tinha quebrado a clavícula e o pé. Depois de seis meses já conseguia andar normalmente, mas não quis voltar a trabalhar no circo.
Como foi voltar para casa depois do acidente?
Simãozinho Sonhador: Me receberam muito bem. Meu pai me olhava com uma cara, como que dizendo: eu te avisei! Fiquei um tempo no Maranhão trabalhando como camelô. Depois fui para Belém.
Como conheceu sua esposa?
Simãozinho Sonhador: Conheci na igreja católica em Belém. Namoramos, noivamos e casamos. Tivemos 11 filhos e foi por eles que nos mudamos para Fortaleza. Queríamos que eles tivessem melhores condições de estudos e Belém estava ficando muito violenta. Vivemos 48 anos juntos. Fiz música para ela.
Socorro você viajou
E a nossa casa está diferente, meu amor
E só porque eu fiquei sozinho
Sem os teus carinhos é tão grande a minha dor
Infelizmente você viajou
Para o trono de Deus, pai celestial
Eu fiquei sozinho neste mundo a sofrer
Socorro sem você eu estou passando mal
Socorro eu estou chorando
Foi o destino que traçou para ser assim
Pois o destino é tão traiçoeiro
E trouxe este mensageiro esta fase tão ruim
Para mim está tudo mudado
Daquele tempo que eu vivia ao seu lado
O tempo que deu o Soberano de 48 anos de casado
E hoje eu estou sofrendo
Sua falta maltrata meu coração
Porém, um dia se meu Deus me permitir
Estaremos unidos no seio de Abraão
Espero que um dia aconteça
Se quiser Deus pode acontecer
Estarei um dia na vida espiritual
No trono celestial juntamente com você
Quero te ver um dia perto de mim
E neste dia meu prazer não terá fim
Estaremos unidos um dia na eternidade
Cheio de felicidade com os anjos querubins
Quero te ver, meu amor, quero te ver
Quero te ver um dia perto de mim.
Ao final da bela canção que fez para a esposa falecida há sete anos o poeta chora e pede um tempo.
Como foi que o senhor administrou a perda da sua esposa Socorro?
Simãozinho Sonhador: Foi muito difícil. Ela era minha companheira de longa data. Socorro era amiga e muito carinhosa, foi muito difícil mesmo. Já morávamos aqui em Macapá quando ela morreu. Ela sofria de diabetes. Levamos para Belém e Fortaleza para tratamento. Os médicos falavam que o caso dela não tinha cura. E de repente ela teve um derrame e se foi. Não é fácil, não. Viver 48 anos com uma pessoa, e um dia acordar e ver que ela não está ali. Não me conformo mesmo, mas Deus me consola.
Além da música que o senhor cantou, o senhor fez um livro para ela?
Simãozinho Sonhador: Fiz sim, o “ABC da Mulher”. Ele já vendeu mais de 20 mil exemplares. Quero lançar agora a segunda edição. Assim como quero relançar o livro “A Beleza da Criança”. As pessoas me procuram muito para comprar minhas coisas. Por onde eu ando levo um comigo para vender também, eu não tenho vergonha de sair por ai vendendo minhas coisas. No livro A beleza da Criança tem um poema assim.
Dai a mim divina musa
Amor, fé e esperança
Multiplicai esse dom
Conserve minha lembrança
Que eu fale para o mundo o valor que tem a criança
Porque quando nascem servidas de santidade
A criança é inocente, ela não tem vaidade
Ela tem um tesouro santo no reino da eternidade
Toda a felicidade neste mundo de pecado e por causa da criança
Quem não se fizer como criança não será justificado
Assim disse nosso Jesus amado
E a escritura não mente.
Eu fico penalizado pelas crianças carentes
O sorriso de uma criança satisfaz a minha mente
Toda criança é carente porque não tem liberdade
Ela não faz o que quer não manda na sua vontade
Merece todo o apoio das grandes comunidades
Ela tem prioridade, merece todo o conforto.
Ainda tem mães que tomam remédio para produzir aborto
Sem saber que na velhice ela não terá encosto
O senhor gosta muito de crianças?
Simãozinho Sonhador: Eu amo crianças. Tenho 13 netos que eu adoro. Um dia eu estava no ônibus e entrou uma menina linda pela frente, eu perguntei se ela queria sentar e coloquei ela ao meu lado. A mãe dela que vinha atrás veio gritando comigo e tomou a menina e saiu imediatamente do ônibus. Dias depois ela me procurou. O motorista disse a ela que eu era o Simãozinho Sonhador e ela pediu a ele que desse meu endereço que amava muito meu trabalho e queria meu perdão. Hoje somos amigos, ela sempre vem em casa e traz sua menina para eu ver e cantar para ela.
Como é seu relacionamento com seus filhos?
Simãozinho Sonhador: Nunca tive problemas com eles. Quatro moram aqui no Amapá, outros moram em Belém, uns em Fortaleza e dois no Maranhão. Eles me ligam todos os dias e sempre vem me visitar. Já quiseram me levar daqui, mas não vou embora não. Esse aqui é meu lugar.
Como está sendo essa sua nova fase musical?
Simãozinho Sonhador: Muitas pessoas não sabem ainda que eu canto. Agora estou me empenhando na venda do meu CD. Depois quero lançar outro. Esse primeiro é para as pessoas conhecerem meu trabalho. Nele, estão canções íntimas, como essa que fiz para Socorro. Todas feitas com muito amor e carinho, sempre dedicadas a alguém.
Como o senhor se sente com o reconhecimento do seu trabalho?
Simãozinho Sonhador: Eu fico muito feliz. A gente espera que as pessoas reconheçam e valorizem o nosso trabalho, mas nunca imaginei que seria tão conhecido, que as pessoas iriam me parar na rua para pedir autógrafo e tirar fotos.
Qual foi sua reação ao saber que o edital da Feira do Livro teria seu nome?
Simãozinho Sonhador: Eu fiquei muito surpreso. Não imaginava que teria todo esse reconhecimento. Fui a primeira e a segunda edição da Flap. Todos me receberam com muito carinho. Me trataram como um rei. Eu nunca imaginei que poderia chegar a ser reconhecido dessa maneira.