JÚLIO MIRAGAIA
“E agora Drummond” é o nome de uma canção, composta pelo sambista João Nogueira e lançada em seu álbum “Além do espelho”, em 1992. Na letra, o carioca faz indagações ao ausente poeta mineiro, diante das frustrações num mundo em que a utopia não veio e o sonho murchou. Trata-se de uma crítica existencial no melhor estilo “Carlos Drummond de Andrade”, uma belíssima homenagem de Nogueira.
A pergunta também poderia ser feita ante o presente, pela afirmativa de Drummond em outro poema tão clássico quanto o seu “José”: “Mãos dadas”.
Anda difícil ser poeta, quanto mais cidadão de um mundo caduco. A vida nos prende por fatos que escancaram o “planeta agônico” da obra do pintor amapaense Ivam Amanajás.
A enorme realidade, o presente tão grande, tem desaguado no mundo em que a morte é celebrada como solução para problemas como o da violência, vide a euforia nas redes sociais após as centenas de execuções no sistema penitenciário falido deste país.
Enorme realidade em que as oito pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo dinheiro que 3,6 bilhões de pessoas. Em que a guerra na Síria, até setembro do ano passado, já havia matado mais de 300 mil pessoas. Segundo a ONG americana Save The Children, 7,5 milhões de crianças foram afetadas pela guerra. Segundo a Unicef, 2,6 milhões estão fora da escola.
Há também a enorme realidade dos acontecimentos de menor escala, do ponto de vista global. Porém, tão perturbadores, quanto as mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no mundo segundo a ONU, por exemplo.
Recentemente, acompanhamos pelo portal a história de uma jovem que há dois meses aguarda tratamento na rede pública de saúde para tratar intensas dores, devido uma pedra na vesícula. Essas e tantas outras situações são cotidianas diante de um estado em crise em todos os serviços que deveria prestar, mas que não correspondem aos anseios da sociedade.
João Nogueira trata Drummond em sua canção como um oráculo, diante de um presente pior que o de José.
O pessimismo nos dias atuais tem sido uma ordem que deve ser driblada da forma como o Carlos de Itabira sugere: que não nos afastemos. De mãos, braços e otimismo lado a lado, é possível ainda fazer muita coisa boa nesse “planeta agônico”. Apesar do grande pesar, a solidariedade pode vencer.
Foto-montagem
1) Menino de Aleppo: Aleppo Media Center, 2016
2)Menina Síria: Osman Sağırlı (Türkiye), campo de refugiados de Atmeh na Síria, Dezembro de 2014.