Intimidação ao direito de informar

Ao processar apenas um jornalista e deixar de lado outros veículos que deram a mesma notícia, ex-senador demonstra que tem outros objetivos
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JÚLIO MIRAGAIA

O ex-senador Gilvam Borges (PMDB) anunciou na terça-feira (23) que irá processar o jornalista Seles Nafes pela publicação da matéria “PMDB do Amapá recebeu propina, diz diretor da JBS”, divulgada no portal na segunda-feira (22). Em nota, Borges diz que considera a matéria maldosa e capciosa e sugere que a notícia foi produzida a mando dos que “já respondem processos e que verdadeiramente estão na lista dos delatores da JBS.”

A movimentação do derrotado candidato à prefeitura de Macapá na última eleição na verdade não tem pé nem cabeça. Como se o material publicado tivesse saído do abstrato somente com a intenção de prejudicá-lo e não dos vídeos dos delatores da JBS e do trabalho de apuração e comparação dos fatos. Vejamos se é assim ou não por partes:

1) A matéria trata da delação feita pelo executivo Ricardo Saud, que afirma que o PMDB do Amapá recebeu R$ 500 mil, supostamente de propina, a pedido de Renan Calheiros, em 2014. Os recursos seriam oriundos de caixa dois e foram distribuídos para os aliados do senador alagoano que recebeu um total de R$ 10 milhões nesse ano. “Um milhão para o PMDB de Alagoas, carimbado para o Renan Filho. Aí vem 300 mil para o PMDB de Sergipe, por ordem de Renan Calheiros; 500 mil para o PMDB do Amapá, por ordem de Renan (…)”, é precisamente o que informa o empresário.

Assista aqui o vídeo da delação

2) A delação era para explicar como a empresa repassou propinas de mais de R$ 500 milhões para mais de 1,8 mil políticos de 28 partidos em todo o Brasil. Os repasses foram efetuados entre agosto e setembro de 2014.

3) Aqui entra o trabalho de apuração. O valor, supostamente repassado para o PMDB do Amapá, não bate com a prestação de contas apresentada pelo partido ao TRE no pleito de 2014. Nela, é informado um total de R$ 435 mil arrecadados para a campanha, inclusive com cinco doações da JBS. Ou seja, nessa comparação não há nada mais que apuração do alegado pelo delator com um fato, tornado público pela própria Justiça Eleitoral.

4) Gilvam Borges foi procurado pela reportagem para tratar do assunto, mas preferiu não se posicionar.

Com o acima exposto, resta saber da parte do peemedebista o que há de maldoso e capcioso no publicado pelo portal SELESFES.COM? Afinal, trata-se de uma figura pública conhecida no Estado, um político experiente e que deve prestar contas aos seus eleitores e ao conjunto da sociedade de seus atos.

Estranha que o político processe um único jornalista quando todos os meios de comunicação locais (e outros nacionais como O Globo, Folha de São Paulo e Estadão), corretamente noticiaram as acusações postas pelos desdobramentos dos depoimentos dos executivos da JBS.

Mais do que a vontade de se defender, o que é um direito seu, a postura de Gilvam Borges parece a de tentar intimidar o trabalho da imprensa, processando um único profissional para que sirva de lição para o restante da categoria não o incomodar mais. Não há nada mais pequeno e pouco democrático do que o ato do ex-senador.

A imprensa não pode ser território onde os interesses não públicos predominem. Não deve servir para ocultar a verdade. Sua atividade é a antítese do acobertamento da realidade, doa a quem doer. O trabalho realizado por este portal tem sido o de prezar pelo interesse público, mesmo que ele tenha que contrariar determinados segmentos.

As acusações envolvendo o grupo JBS e os milhares de políticos e suas respectivas legendas devem ser elucidadas o mais rápido possível. Devem ser punidos aqueles que tornam promíscuas as relações no poder público. Se alguém deve explicações para a sociedade e deve se posicionar diante dos acontecimentos envolvendo o PMDB é o ex-senador Gilvam Borges, e não a imprensa.

Seles Nafes
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