Eu poderia estar escrevendo sobre a extinção da onça pintada, da arara azul ou do beija flor “mirabilis”, espécies que correm sérios riscos de extinção no espaço amazônico, mas a extinção que está ocorrendo no Amapá é ainda mais séria. Estamos falando da extinção do fenômeno da “pororoca” no Rio Araguari. Um fenômeno natural que nos encanta e provoca enormes ondas na Foz do Rio Araguari, em razão do encontro de águas do oceano atlântico com as do rio. A pororoca é um fenômeno de maré que acontece toda lua cheia e nova, com maior potência nos períodos do equinócio.
Há muitos anos se fala nessa problemática ambiental conhecida por “assoreamento” que está acontecendo na Foz do Rio Araguari, o maior rio genuinamente amapaense, ou seja, que nasce e deságua totalmente no território do Amapá. O assoreamento é um fenômeno normalmente provocado pela antropização (ação depredatória provocada pelo homem) em que o acúmulo de lixo, entulho e outros detritos no fundo dos rios fazem com que o rio porte cada vez menos água, provocando enchentes nas suas margens em épocas de grandes quantidades de chuvas, ou mesmo, provocam o seu fechamento, provocando a morte dos rios, e gerando sérios problemas ambientais.
No caso do Rio Araguari há uma obstrução, por sedimentos, areia e detritos em seu estuário, provocando o paulatino fechamento de sua foz. O fenômeno foi agravado em razão de canais que foram abertos pela bubalinocultura desenvolvida de forma desordenada nas margens do Rio Araguari. O Búfalo acelera a lixiviação (carregamento de sedimentos pelas chuvas), acelerando o assoreamento no leito dos rios. Esses canais, chamados na região de “varadouros” provocaram a entrada de água salgada, alterando o meio ambiente, provocando a salinização de regiões ribeirinhas, extinção da ictiofauna (fauna aquática), pois hoje é comum vermos espécies de peixes de água salgada nessa região, antes banhada exclusivamente por água doce do Rio Araguari.
Isso também tem provocado um sério problema à população ribeirinha, especialmente a partir da comunidade do Tabaco, a cerca de 2 horas de barco a partir da sede do Município de Cutias, em razão do desabastecimento de água potável, provocado por esta problemática. A prefeitura do Município de cutias tem usado balsas para abastecer com água potável as comunidades mais afetadas pelo processo de salinização da água. Outro problema é a questão do êxodo rural das regiões ribeirinhas afetadas na foz do rio para a sede do município, que tem agravado a atual situação social e econômica.
O rio Araguari passou a ficar cada vez mais raso, a ponto de hoje não mais ser possível se navegar de Cutias a Ferreira Gomes. O Rio Araguari é o maior em volume de água, largura e extensão do Amapá, mas o assoreamento diminuiu tanto a profundidade do rio, que hoje não é mais possível se ver o fenômeno da Pororoca. O Município de Cutias do Araguari, é conhecido mundialmente pela pororoca, e por causa disso, tem atraído turistas de várias partes do mundo, mas atualmente enfrenta esse problema ambiental gravíssimo, que poderá acabar definitivamente com a pororoca nessa região.
Hoje só podemos ver a pororoca a partir em algumas poucas regiões do arquipélago do Bailique, distrito de Macapá. Há equipes do IBAMA com um helicóptero, monitorando a região, mas eles afirmam que só um milagre pode reverter esse processo. A foz do rio Araguari está completamente obstruída, e a vazão de água fez os pequenos “varadouros” se transformarem em enormes canais, alguns com mais de 70 metros de largura, permitindo a entrada de água salgada para o rio, provocando todos esses problemas ambientais.
Estima-se que existam cerca de 230 mil cabeças de gado bubalino nessa região, e o crescimento desordenado, tem acelerado esse problema. O mais preocupante é a omissão do Estado e do Governo Federal, que não desenvolvem um plano de ação conjunto para tentar minimizar os efeitos sociais, econômicos e ambientais desse fenômeno. O Blog do Dr Gesiel (drgesiel.blogspot.com) foi até Cutias do Araguari para entrevistar a prefeita do Município, Profª Eliane Pimentel e veja sua contundente e firme afirmação: “não existe mais pororoca no Rio Araguari”. Assista sua entrevista sobre essa questão tão grave e conheça melhor a amplitude desse problema que está acontecendo na costa leste do Amapá.
Gesiel de Souza Oliveira
Geógrafo
Ilustração: Bianca Façanha