“Só pensava em chegar”, lembra bombeiro que nadou 2 km para sobreviver

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O cabo do Corpo de Bombeiros Anderson de Souza Oliveira, 38 anos, 20 deles passados dentro da corporação, é considerado pelos colegas um dos melhores salva-vidas do Amapá, mas o que ele passou para salvar a si próprio na tarde desta terça-feira, 26, é descrito por ele como o pior momento de sua vida. O cabo estava numa das lanchas que afundaram durante um exercício do curso de formação de sargentos.

As fotos tiradas por internautas que mostram Anderson com rosto pálido, na areia da praia do Aturiá depois de desmaiar por exaustão, foram o tema dos comentários do dia. O cabo e mais 50 candidatos estavam passando pelas provas obrigatórias na reta final do curso de formação na orla do Bairro Santa Inês.

Fotos tiradas por moradores e bombeiros mostram a tentativa dos bombeiros de chegar à margem. Rio parecia oceano

Fotos tiradas por moradores e bombeiros mostram a tentativa dos bombeiros de chegar à margem. Rio parecia oceano

Duas lanchas estavam sendo usadas. Anderson carregava dentro da embarcação um pequeno caiaque particular que ele pretendia usar para dar apoio a outros colegas. “Acabei desistindo de usar porque as condições de maresia não permitiram”, recorda.

De fato o Rio Amazonas mais parecia um oceano. As ondas passaram por cima do muro de arrimo em vários pontos da orla da capital. Mesmo assim, as equipes do curso decidiram prosseguir com o exercício. “Já tínhamos feito exercícios semelhantes nas mesmas condições”, garante o cabo.

Alguns bombeiros foram arrastados até o Aturiá

Alguns bombeiros foram arrastados até o Aturiá

No meio do exercício aconteceu o inesperado. Os motores das duas lanchas pararam quase ao mesmo tempo, provavelmente pela entrada de água no motor, mas as causas ainda são investigadas. À deriva, as duas embarcações começaram a ser bombardeadas pelas ondas. Os militares iniciaram uma tentativa desesperada e tirar a água, mas a quantidade que entrava era muito maior.

Um dos cabos ainda ligou para o Centro Integrado de Operações em Defesa Social (Ciodes) para informar a posição da equipe e o que estava acontecendo. Nesse momento, a lancha estava a cerca de 1 quilômetro da orla, bem depois do “bico” da bomba de captação da Caesa.

Uma das ondas atingiu a lancha de Anderson por trás “enterrando” a embarcação pela proa direto para o fundo do rio. Foi muito rápido. Ele e os três colegas estavam com coletes salva-vidas. Alguns ainda utilizaram os chamados “tubos de salvamento” (cilindros com ar que funcionam como boias), mas mesmo assim, eles ainda foram arrastados para muito longe.

Cabo Anderson Oliveira: "vomitei muito enquanto nadava, porque as ondas me afogavam"

Cabo Anderson Oliveira: “vomitei muito enquanto nadava, porque as ondas me afogavam”

Anderson não tinha tubo de salvamento, por isso se agarrou ao caiaque e começou a “remar” com um dos braços. Apesar do preparo físico e do conhecimento acumulado, o cabo teve muitas dificuldades para vencer a forte correnteza e as ondas que o encobriam a todo momento e causavam afogamento. Os outros colegas foram arrastados para depois do Bairro do Aturiá e foram resgatados por uma lancha.

Anderson desmaiou de exaustão

Anderson desmaiou de exaustão

Já recuperado, o cabo recebeu em sua casa a equipe do site SelesNafes.Com. Anderson falou dos momentos mais difíceis,  sobre o medo de morrer, e o filme que passa na mente das pessoas nos momentos críticos da vida.

SelesNafes.Com: Quem ligou para o Ciodes no momento que o barco estava indo a pique?

Cabo Anderson: Um dos colegas estava com o celular e ligou, até para informar nossa posição. Queríamos que o Ciodes já acionasse outras lanchas, mas isso demanda tempo e não sabiam a nossa localização. Além disso já estavam preocupados com a primeira lancha que tinha afundado.

S.N.: E os teus companheiros?

Cabo Anderson: Eles passaram do Aturiá e foram resgatados bem mais à frente.

S.N.: Que distância você calcula que nadou?

Cabo: Algo em torno de 2 quilômetros. A gente tá acostumado a nadar isso.

S.N.: Entra água no motor de uma lancha assim da forma como aconteceu?

Cabo: Bem, nós tivemos problemas. Tentamos fazer funcionar, mas não deu certo. A gente sabia que a lancha ia afundar, e nos preparamos para isso.

S.N.: Não foi imprudência da coordenação do curso fazer esse exercício nas condições em que o rio estava?

Cabo: Como eu já disse, já tínhamos realizado exercícios nessas condições. A nossa finalidade é fazer com que o bombeiro aprenda a se controlar e manter a calma num momento de perigo real, assim como nessa situação que passamos. Na vida real a gente não escolhe tempo para sair. Se tivesse um barco afundando com vítimas a gente teria que entrar na água de qualquer jeito para fazer o salvamento, mesmo naquelas condições. “Em qualquer mar, em qualquer água, esse é o nosso lema”. Já acordei hoje sentindo que estou pronto para outra, seja em qualquer água.

"passou um filme. Só pensava na minha família"

“Passou um filme. Só pensava na minha família”

S.N.: O que você pensava enquanto estava tentava chegar à margem? Você sentiu medo de morrer?

Cabo: Pensava em chegar logo, mas a correnteza me arrastava. As ondas cobriam a minha cabeça a todo instante, e isso me fez beber uma grande quantidade de água. Vomitei muito enquanto nadava, por isso acabei desidratando e tive princípio de hipotermia, apesar da água do Rio Amazonas não ser gelada. Tive medo de morrer, pensei nos meus três filhos, na minha mulher, eu queria vê-los de novo.

S.N: Que lição isso te ensinou?

Cabo: A gente dá mais valor à vida, e passa a respeitar mais os limites da natureza.

Seles Nafes
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