Crack em Santana: Ex-sede da prefeitura vira “lar” de esquecidos

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Hoje a Área Portuária de Santana, principal eixo de desenvolvimento do município, é um reflexo de várias realidades sociais. São prédios públicos cercados por médios e pequenos empreendedores, um porto que pulsa dia e noite, pessoas apressadas como se andassem sem destino. Mas o local também tem o seu lado marginal, como prostitutas, pedintes e usuários de droga. A Avenida Santana é uma vitrine dessa realidade. Em um lado da via, várias lojas que se transformaram e um centro comercial em desenvolvimento. Do outro lado, bem em frente às lojas, o antigo prédio da prefeitura em ruínas chama atenção, Não pelo seu abandono, mas porque se tornou moradia de dependentes químicos. O lugar já é conhecido na região como a “cracolândia de Santana”.

O que antes era o centro administrativo do município tornou-se o  símbolo do contraste social observado em muitos centros urbanos. É nesse cenário que nascem as cracolândias, discriminadas pela sociedade em geral, mas que, para os viciados em drogas, é o local onde conseguem ser aceitos, mesmo vivendo escondidos, às margens da sociedade e dos olhares preconceituosos lançados por aqueles que os cercam.

Um mulher e dois jovens vivem no galpão abandonado da prefeitura de Santana

Um mulher e dois jovens vivem no galpão abandonado da prefeitura de Santana

Nesses locais têm muitas histórias que SelesNafes.Com foi ouvir. Os nomes das pessoas serão preservados. No antigo prédio da prefeitura de Santana vivem quatro dependentes químicos, entre eles uma maranhense de 40 anos, que fugiu da casa dos pais quando ainda tinha 15 anos. “Sou dependente desde muito cedo. Comecei consumindo álcool. Essa era a única forma que tinha para esquecer as agressões que recebia do meu pai em casa. Conheci uma garota de programa que me tirou daquele ambiente desgastado, mas que me apresentou o mundo da droga e da prostituição. Aos 18 anos fazia programa para sustentar meus vícios entre eles a bebida e a cocaína. Daí pra frente foi só ladeira a abaixo. Até chegar ao crack, que hoje me consome a cada dia. Já tentei parar, mas isso é impossível”, contou a usuária.

A mesa serve para as refeições e para preparar a droga

A mesa serve para as refeições e para preparar a droga

Foi por meio das drogas que essa mulher recebeu o convite para vir para o Amapá, onde mora há 20 anos. “Nunca consegui dar um rumo na minha vida. Tentei ajuda em centros de recuperação, mas o vício sempre venceu. Então decidi ir para um lugar em que não seria reconhecida. Voltei para as ruas. Primeiro morei em uma praça no Bairro Santa Rita, em Macapá, mas devido a confusões com outros viciados e com a polícia, vim parar em Santana e hoje moro nesse prédio abandonado”, acrescentou a maranhense.

Junto com ela outras pessoas moram no prédio abandonado da prefeitura. São dois jovens de 26 e 28 anos também dependentes do crack. A realidade em que vivem é facilmente observada pela quantidade de cachimbos artesanais feitos de tampas de garrafas pets e canudos. Tudo fica espalhado em uma pequena mesa, usada para as refeições e para o preparativo da droga. “Não adianta esconder. Essa é a realidade aqui dentro. Quem passa na rua sabe o que consumimos aqui. A polícia sabe o que fazemos. Os policiais, vez por outra, vêm aqui atrás de nós quando pensam que roubamos alguma coisa. Então, não podemos fugir da nossa realidade. Se pudesse estar em uma casa de gente rica com carro bacana estaria, mas o meu caminho foi traçado dessa forma e não tenho forças para conseguir mudá-lo”, contou um dos rapazes.

Da lixeira viciada os moradores do galpão tiram o que comer e vestir

Da lixeira viciada os moradores do galpão tiram o que comer e vestir

Todos garantem que trabalham para conseguir dinheiro e sustentar o vício. Dizem que não roubam. “Apesar das condições em que vivemos, somos conscientes da nossa condição. Fazemos o que podemos para viver sem precisar mexer no que é dos outros. Aqui os comerciantes sabem que somos usuários de droga. Mesmo assim nos ajudam bastante, doando alimentos prestes a vencer, roupas e até colchões quando precisamos. Em troca fazemos alguns serviços pra eles. Pequenos bicos, como lavar, capinar e varrer as calçadas. O que aparece fazemos. Pegamos o nosso pagamento e sustentamos o nosso vício”, afirmou o outro jovem.

Parte dos suprimentos que os dependentes químicos conseguem vem de uma lixeira viciada que se formou em frente ao galpão abandonado. No local é jogado de tudo, mas eles recolhem apenas alimentos e roupas que são guardados em caixas de papelão. “Muita comida é jogada fora, principalmente as vencidas e como não temos escolha, é desse suprimento que fazemos a nossa dispensa e garantimos alimentos para vários dias. Com o dinheiro dos bicos não compramos apenas droga, compramos também pão e pastel. E assim vamos levando a vida, um dia após o outro”, comentou a maranhense.

Esse monte de caixas de papelão é a dispensa para guardar a comida

Esse monte de caixas de papelão é a dispensa para guardar a comida

Sobre o assunto, o prefeito de Santana, Robson Rocha, informou que o local está abandonado porque pertencia ao governo do Estado e a prefeitura não tinha como reformar o galpão. “Só no início do ano conseguimos junto ao governo o repasse do prédio. Agora vamos montar um projeto e orçar a obra de revitalização do local. Acreditamos que no máximo em dois meses a licitação deve acontecer. E até o final do ano a obra vai estar sendo executada”, prometeu Robson Rocha. 

Reportagem e Fotos: Anderson Calandrini

Seles Nafes
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