“Às vezes advogado é visto como Satanás”, diz Cícero Bordalo Júnior

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ANDRÉ SILVA –

É impossível estudar a advocacia no Amapá sem esbarrar na carreira de um dos profissionais mais bem sucedidos do Estado. Nascido em 1960, pai de 4 filhos, Cícero Bordalo Borges Júnior pertence a uma linhagem de causídicos, é militante dos direitos humanos e um dos advogados que mais aceitou casos polêmicos. 

O pai, Cícero Bordalo, defendeu perseguidos pela ditadura militar, presos que ficavam “guardados” na Fortaleza de São José. Bordalo Júnior foi secretário de Segurança Pública do Amapá na década de 1990, e diz se se fosse secretário de novo não atuaria só no gabinete.

Em 1997, ele atuou junto com o pai num dos processos mais polêmicos da época. Era um caso de assassinato em que toda a imprensa e a opinião pública já tinham condenado sua cliente, acusada de matar o marido com auxílio do amante. 

O processo famoso acabou virando o livro “O aparte da defesa”, está sendo relançado com fins beneficentes. Esta semana, o advogado recebeu SelesNafes.Com para relembrar alguns momentos emblemáticos. 

SelesNafes.Com: Sua família é daqui do estado?

Cícero Bordalo Júnior: Não. Eu nasci em Belém, mas só nasci mesmo, logo depois vim para o Amapá. Eu me considero amapaense. Inclusive tenho um titulo de cidadão amapaense. E o meu pai  era lá do Marajó (PA).

Com o pai, o primeiro delegado de polícia de Macapá

Com o pai, o primeiro delegado de polícia de Macapá. Reprodução

Quando sua família chegou aqui no Amapá?

Meu pai chegou aqui em 1957, quando estava iniciando o Território Federal, e ficou até 2012, ano em que ele faleceu.

Então ele chegou na época em que Janary Nunes era governador do Estado?

Sim. Ele  foi o primeiro delegado de polícia da capital. Ele se formou na Universidade do Pará em 1955, e foi promotor no município de Breves (PA). O pai dele era deputado estadual em Belém e enviou uma carta para o Janary dizendo: “estou mandando meu filho para o Amapá, arranja emprego pra ele”.

Ele achou o emprego meio complicado, muita violência. etc. Ele largou o trabalho e abriu um escritório de advocacia, ao lado de aonde era a loja Zagury, agora tem outra loja lá, a 246. Ao lado tem uma casa de altos e baixo aonde tem um restaurante, era lá. Começou com um gabinete depois abriu mais dois. Ele contratou os melhores  datilógrafos da época, assessor, pegou um pessoal aposentado da Polícia Civil e pessoas que tinham afinidade com o direito. Depois de dez anos que ele estava no Amapá, apareceu aqui vindo de São Paulo o doutor Pedro Petcove , depois  o doutor Ivanildo, doutor Max, doutor José Luiz Calandrini, era uma galera…

O pai tinha eloquência na retórica: um responsabilidade infinita nas costas

O pai tinha eloquência na retórica: “uma responsabilidade infinita nas minhas costas chegar ao nível dele”

Então ele foi um dos primeiro advogados aqui?

Sim. Ele foi o primeiro advogado militante, que vivia da profissão de advogado porque não existia defensoria pública naquela época. Então ele advogava para os carentes, pra quem não tinha dinheiro e pra quem tinha. Para quem não tinha dinheiro pagava com peru, com carneiro, com galinha, com tartaruga. Isso tudo ele levava pra casa na década de 1960, eu me lembro muito bem disso, eu tinha uns cinco anos. Ele aparecia com uma cestinha daquelas que se coloca frutas em feira cheia de ovos, ele dizia: “Olha aqui que meu cliente trouxe!”.

O senhor está relançando um livro?

Eu lancei esse livro em 1997 que foi a primeira edição, e fiz a doação das vendas para o Rotary Clube para eles comprarem tudo em cadeiras de roda. Esse ano o conselho federal da Ordem dos Advogas do Brasil relançou  a segunda edição e em maio foi a noite de autógrafos em Brasília. E agora estou fazendo outro lançamento com uma nova tiragem pelo próprio conselho, aqui em Macapá no dia 27 de novembro na sede da OAB. Esse livro já teve quatro mil tiragens no total.

Fugindo da ditadura: "Moramos 6 meses no apartamento de um juiz em Brasília"

Fugindo da ditadura: “Moramos 6 meses no apartamento de um juiz em Brasília”

Do que o livro fala?

Ele retrata o primeiro júri que fiz com meu pai. Em 1991, uma ex-funcionária do ex-território do Amapá foi acusada de ter matado o marido com ajuda do  amante. E esse crime causou uma comoção social profunda na época, o ano era 1991. O corpo da vítima foi encontrado carbonizado na BR 156. Ele era professor secundarista e o nome dele era Álvaro. A imprensa só falava nisso na época. Eu fui contratado pela família da acusada pra fazer a sua defesa, quando ela foi pra delegacia presa suspeita de ter cometido o crime. Na época eu gravei esse julgamento que o meu pai participou comigo na defesa. Gravei tudo em fita k7. Paguei uma pessoa pra transcrever o áudio, disso nós juntamos e transformei em um livro. Dando um exemplo para o acadêmico de direito de  como  ele deveria desenvolver uma defesa em um caso daquele aonde a opinião pública vai de encontro o próprio advogado. Às vezes o advogado é visto como o satanás. As pessoas ficavam com raiva da gente.

Ela foi inocentada?

Ela pegou a menor pena, pois conseguimos desclassificar a participação dela no crime. Ela pegou a menor pena e o amante pegou a maior. Posteriormente recorremos ao tribunal, ela respondeu em liberdade durante uma longa temporada. Depois foi decretada a prisão dela novamente. Depois ela se apaixonou por um agente penitenciário e fugiu com ele. E hoje esse crime está prescrito por que aconteceu em 1991 e estamos em 2015. Agora ela pode voltar de onde ela estiver, não é?

Qual foi a estratégia que o senhor usou?

Eu me apeguei na prova da participação dela no crime. Nós estudamos no direito penal um tema que se chama “caminho do crime”, que é conhecido pelos profissionais da área como “inter criminis”. Ele identifica a participação de cada indivíduo no crime. Nós conseguimos passar para o júri que a participação dela foi de menor importância no crime, pelo fato dela não ter participado de todo o caminho do crime e quem teria participado foi amante até o fim. Então foi uma grande vitória por que ela já entrou condenada. A imprensa toda do estado já tinha acusado ela pra opinião pública, por que a acusação era grave. Ela foi acusada de comprar um vidro de éter na farmácia, ter estrangulado o marido e ainda ter ocultado o cadáver. A pena, pela repercussão  que houve na época, pela gravidade, seria de 12 anos a 30 anos, que seria um homicídio qualificado com vários agravantes. E aí surgiu o livro  A Parte da Defesa.

Como foi atuar com o seu pai, e como é atuar com o filho?

São emoções inesquecíveis, sentir que estava dando continuação na vida dele. Com o meu pai pesou nas minhas costas uma responsabilidade infinita de chegar no nível em que ele estava. Eu não queria que ele passasse vergonha com o filho. Eu me cobrava demais isso. O meu pai sempre teve o dom da oratória, e a eloquência da retórica, então isso me deixou muito constrangido. Recém- formado, pegar um caso deste? Foi o nosso primeiro caso juntos. E com o filho a gente se sente realizado, por que o meu pai conseguiu me fazer chegar aqui e o meu filho segue o mesmo caminho e com certeza com mais novidades, com mais foco e mais atualizado.  Então eu me sinto realizado com esse momento. Passar o bastão para o filho é fantástico.

Passando o bastão para o filho, Cícero Bordalo Neto

Passando o bastão para o filho, Cícero Bordalo Neto

O senhor já foi secretário de segurança. Qual acontecimento marcou essa trajetória?

O combate ao tráfico de entorpecente, combate à criminalidade, eu acho que se hoje eu fosse secretário de segurança publica, eu iria destruir esse grupo de criminoso nesses bairros em que impera a criminalidade. Eu ia dormir no máximo seis horas por dia por que estaria envolvido direto na rua com a sociedade e não no gabinete. O secretário no gabinete não consegue ouvir o que a sociedade está clamando, e se pudesse, implantaria a polícia comunitária para dar esse feedback para a sociedade. Eu era tão elogiado na sociedade que os opositores do governador que eu representava me atacavam constantemente. Eu era muito jovem quando fui secretário. Talvez nem tivesse maturidade suficiente para assumir uma pasta como essa.

O senhor agora milita na causa das pessoas por acessibilidade. Por quê?

Como estou no Conselho Federal da OAB em Brasília, há três anos eu abracei a Comissão da Igualdade, que visa combater e repudiar todo e qualquer tipo de discriminação, inclusive a racial. Tivemos no ano passado no Rio de Janeiro a Conferência Nacional da OAB, e agora a Conferência Nacional dos Direitos Humanos em Belém e participei de todas.  Nessa comissão nós ficamos voltados a combater o racismo, a discriminação contra os deficientes físicos, os homicídios da juventude negra, é uma coisa horrível. A polícia matando, forjando um alto de resistência para matar as pessoas com um tiro nas costas e isso ocorre muito na Bahia, é o estado que desponta com maior índice de extermínio do negro no país. Denunciamos isso, inclusive, em organismos internacionais, na Corte Interamericana de Direitos Humanos. E o motivo foi que eu mesmo quis fazer parte dessa comissão, recebi o convite e aceitei.

Bordalo criticou advogados premiados pela luta contra a ditadura: nem eram formados na época

Bordalo criticou advogados premiados pela luta contra a ditadura: nem eram formados na época

O senhor nasceu na época da ditadura militar. O que lembra dessa época?

No meu livro eu conto alguns fatos que lembro. Quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, eu lembro que o meu pai saiu às pressas para Brasília por que a ditadura militar desrespeitava o Poder Judiciário, caçava ministros do Supremo. E eles perseguiram meu pai por que ele representava os presos políticos que ficavam presos lá na Fortaleza de São José, naquela época. Isso aconteceu na década de 60 e nessa época não tinha advogado em Macapá. Nos levaram à Brasília para que o meu pai não fosse preso pelo Exército e ficamos seis meses em Brasília hospedados no apartamento de um juiz. O que me deixa triste  e quero abrir um parêntese aqui, é que tem advogados que chegaram aqui no final da década de 1970 e se intitulam como advogados que participaram da ditadura. Mentem pra imprensa, mentem para os escritores do Amapá, para a OAB e ainda recebem prêmios no lugar  do meu pai, dizendo que fizeram o trabalho que ele fez. Como eu vi um dia desses, um advogado que recebeu um prêmio porque lutou contra a ditadura e não estava nem formado na época.

Geralmente são advogados  ligados a partidos de esquerda que por questões ideológicas mentem, criam factoides, vendem essa imagem como se fosse verdadeira e a nova geração não tem como distinguir o que é verdadeiro por não ter vivido naquela época. O único advogado que eu lembro que lutou contra a ditadura militar e que participou ativamente como advogado dos presos políticos foi meu pai. Em 1970 chegou aqui o doutor Pedro Petcove que pegou o rescaldo desse período depois chegou o doutor Di Macedo, José Luis Calandrini. Esses outros advogados ainda nem eram formados, estavam em Belém estudando. Eles não provam isso, não existe nenhum documento que prove que eles agiram diretamente para libertar presos políticos.

 

Seles Nafes
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