ANDRÉ SILVA –
Um dos últimos alfaiates de Macapá, Vicente Waldomiro, o Vadoca, de 83 anos, abriu as portas da sua alfaiataria, que fica na Rua Jovino Dinoá com a Avenida Antônio Coelho de Carvalho, e nos convidou para entrar e conhecer uma Macapá que agora só existe em sua memória e em algumas fotos que ainda restam. Nascido e criado, como ele mesmo conta, na capital, viu o primeiro carro chegar à cidade e conta que confeccionou ternos para os ex-governadores Janary Nunes e Annibal Barcellos.
Manejando com habilidade o ferro de passar, que ele diz ser o melhor – um Black & Decker daqueles modelos mais populares na década de 1980 – ele fala de sua passagem pelos times do Trem Esporte Clube e Amapá Esporte Clube como jogador de futebol muito atuante nos campeonatos da época.
Com saudosismo ele conta histórias de quando a cidade terminava na Avenida FAB, e como um tal Machado, que era funcionário público, andava com a planta da cidade em baixo do braço procurando a quem doar terrenos que hoje valem uma pequena fortuna.
Acompanhe os principais trechos do bate-papo de Vadoca com o site SelesNafes.Com.
Aonde o senhor nasceu?
Nascido e criado em Macapá. Minha mãe nasceu na comunidade do Maruanum e veio para a cidade para trabalhar na casa da professora Cora de Carvalho, aquela que tem até uma rua com o nome dela. Meu pai é de Fortaleza, no Ceará, e quando chegou aqui se casou com minha mãe. Nós somos cinco filhos, dois homens e três mulheres. Eu sou o caçula. Os outros já morreram. Eu fui criado ali onde hoje é o Macapá Hotel. Na época, o governador Janary indenizou todo mundo que morava na beirada e construiu o hotel. Lá na frente era tudo praia.
Em que ano o senhor jogou futebol?
Em 1951 no Macapá Esporte Clube e em 1952 no Trem Desportivo Clube. Do Macapá, só eu, Bico, Leleco e o João, estamos vivos. Do Trem, só eu. Os campeonatos de antigamente eram disputados na praça Veiga Cabral. Na época eu tinha 17 anos, mas lembro da escalação do time do Macapá: Saba, Moringueira, Lagartixa, Aristeu (goleiro do Paysandu), Aristeu Segundo, Ismael, Oliveira, Filho de Deus, Jesse, Vadoca e Roxinho, Mário Santos (treinador).
Quando o senhor começou a fazer ternos?
Eu fui pra dentro da alfaiataria com 10 anos de idade. Eu aprendi com o Bento Ribeiro. Ele trabalhava numa alfaiataria em Belém. Veio pra cá e casou com a dona Carmozinha, que era dona do cartório daqui, e tinha ficado sozinha quando o pai dela morreu. Aí ele abriu uma alfaiataria e eu fui trabalhar com ele. Passei lá 10 anos. A alfaiataria ficava lá na praça Veiga Cabral, onde agora funciona o banco Itaú.
O senhor está aqui nesse local há quanto tempo?
Na época eu jogava no Trem. Tinha o Machado que andava com a planta da cidade de baixo do braço dando terreno pra quem quisesse. Aí eu dizia pra ele: quem vai querer isso aqui cara? Porque na época era só mato. Aí ele me deu e eu fiz uma casa para segurar o terreno. Aqui na Antônio Coelho entre Jovino e Odilardo tinha um igarapé enorme. As pessoas vinham pra pescar de longe, e eu também. Tinha um açaizal aí em baixo e lá pra cima, subindo a Antônio Coelho, o pessoal vinha só pra caçar. Nessa época a cidade terminava na Avenida FAB.
Então o senhor passou 10 anos só aprendendo o ofício de alfaiate?
Depois dos dez anos aprendendo passei a ser operário. Comecei a fazer sozinho as peças de roupas. Naquela época a gente usava casemira, um tecido abundante naquele tempo. Tinha uma alfaiataria lá na Fortaleza de São José, onde trabalhavam todos os alfaiates da cidade. Lá a gente fazia as roupas dos soldados da época. Trabalhavam comigo o Formiga, que já morreu. Erondim, que era o mestre dos alfaiates, o Turibim, o Passarinho, o Antônio e o José Arigó.
Quantos alfaiates tinham nessa época em Macapá?
Acredito que uns 14 ou 15 alfaiates. Hoje só existem três. Um atrás do Mercado Central, que é mais novo e não é daquela época. Tinha o Sandin que morreu no ano passado e o filho dele assumiu. Dos antigos só tem eu e o Turibim.
O senhor ainda faz ternos?
Já parei. Rasguei os moldes e joguei fora pra não fazer mais. Estou há mais de oito anos sem fazer ternos. Pelos meus filhos eu nem trabalhava mais. Eu sou aposentado, mas se eu parar e ficar dentro de casa eu morro. O Formiga se aposentou, ficou dentro de casa, e não demorou muito morreu. Eu fico aqui que pra mim é uma terapia.
O senhor ainda é casado?
Eu sou viúvo. Minha esposa morreu há quase cinco anos. Odinéia era professora, falava francês e queria lecionar mesmo aposentada, mas eu disse pra ela aquietar e aproveitar o que já tínhamos conquistado.
Nota: Hoje seu Vadoca vive da aposentadoria que recebe e ainda faz alguns serviços em sua alfaiataria, mas serviços leves. Enquanto íamos conversando os amigos iam chegando e participando da conversa com esse homem que, segundo os amigos dele, é uma verdadeira enciclopédia viva que o Amapá tem.