Manoel Castelo: Um garçom nos bastidores do poder

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Você conhece alguém com mais de 40 anos de profissão? E que apesar da idade se levanta todos os dias cedo para trabalhar sempre respeitado e valorizado por onde passa? Pois é, o seu Manoel Castelo, de 64 anos, conseguiu vencer numa profissão pouco valorizada pelo mercado. Ele é garçom há 43 anos. Já serviu quatro presidentes da República, oito governadores, quatro prefeitos e dezenas de deputados e vereadores, trajetória que lhe ajudou a colecionar uma infinidade de histórias. Mas antes de chegar a servir autoridades a vida não era tão fácil.

De família humilde, seu Castelo, como é mais conhecido, parou de estudar na 5ª série quando perdeu a mãe e teve que trabalhar para ajudar no sustento de casa. Pai de oito filhos, ele define a vida como um caminho leve para trilhar. Ele cresceu durante o período mais escuro da história do Brasil: a ditadura militar.

Mesmo diante das dificuldades, ele hoje se considera feliz com a vida e a profissão de garçom. Para se ter uma ideia, seu Castelo trabalhou em 26 bares, restaurantes e boates. Todos de carteira assinada. Trabalhou em lugares como o bar Cacique, que tinha como dona Alice Gorda, bar do Chapéu de Palha, Cobrinha Verde, Fundo de Quintal, Tremendão, Tigrão, Círculo Militar de Macapá e Amapá Clube.

Além disso, se orgulha de ter servido os presidentes da República Emílio Garrastazu Médici, General Ernesto Geisel, João Batista Figueiredo, Collor de Melo, além do deputado Ulisses Guimarães. Serviu aos governadores Ivanhoé Gonçalves Martins, Lisboa Freire, Artur Henning, Annibal Barcellos, Gilton Garcia, João Alberto Capiberibe e também os prefeitos Annibal Barcellos, João Henrique, Roberto Góes e atualmente trabalha no gabinete do prefeito de Macapá Clécio Luis.

Seu com Janete Capiberibe em visita às aldeias Waiãpi

Seu Castelo com a então primeira dama Janete Capiberibe em visita às aldeias Waiãpi

Acompanhe a entrevista concedida por seu Castelo ao SelesNafes.Com.

SelesNafes: O senhor sempre quis ser garçom?

Manoel Castelo: Não. Eu passei em concurso para ser trabalhador braçal do governo em 1970. Fui chamado em 1971, mas o Governo Federal me nomeou para trabalhar na escola José de Anchieta. Eu cheguei lá e cumpri meu papel. Mas um dia teve um problema na cerâmica do prédio e eu liguei para o número do governador Ivanhoé pedindo ajuda. Ele foi pessoalmente resolver o problema. Me conheceu e pediu para eu trabalhar na residência oficial.

SN: Qual a pessoa que mais lhe ajudou nessa profissão?

MC: A professora Ruth Bezerra. Ela era diretora da minha escola. Quando passei no concurso do governo eu precisava ter concluído a 5ª série, mas eu não tinha passado. Fui à escola, conversei com ela. E ela me olhou dentro dos olhos com muito carinho. Lamentou a morte da minha mãe, que foi o motivo para eu parar de estudar e me disse: “se depender de mim essa vaga é sua”. Ela convenceu o secretário a mudar minha nota e só assim pude assumir a vaga no governo.

Ainda garoto, Alexandre Barcellos, e seu Castelo

Ainda garoto, Alexandre Barcellos, e seu Castelo

SN: Para ser garçom é preciso ter talento natural?

MC: Sim. Com certeza. Graças a Deus desde criança eu gostei muito de servir e de cozinhar. Tem que engolir muita coisa e às vezes se fingir de surdo e mudo. É fundamental ter paciência e uma palavra amiga para dar.

SN: Qual o lado ruim da profissão?

MC: Eu peguei muito bico. Esse é o lado ruim, principalmente em bar. A pessoa faz despesa e não paga. Algumas vezes tive que pagar conta que não era minha porque vacilei e o cliente fugiu de fininho. Outras vezes servi gente grossa que acha que garçom não é gente. São esses sapos que a gente tem que engolir.

SN: Qual foi a pessoa que o senhor teve o desprazer de servir.

MC: Sem dúvida foi um oficial do exercito. Foi na época que trabalhei no Círculo Militar. Ele fez uma despesa e se negou a pagar. Eu disse que não era certo, mas ele me segurou pela camisa e disse que ia pagar com um soco na minha cara. Sem dó nem piedade me bateu e fugiu. No dia seguinte teve um almoço na casa do então governador comandante Annibal Barcelos. Quando tive a oportunidade contei a história para o comandante. Na mesma hora ele chamou o oficial e fez ele pagar a conta.

Seu Castelo com o prefeito João Henrique a primeira dama do município

Seu Castelo com o prefeito João Henrique a primeira dama do município Lucenira Pimentel

SN: Garçom é conhecido por ouvir histórias de traição e brigas entre casais. Me conte uma que lhe chamou atenção.

MC: Teve uma briga entre um casal na boate Merengue. Eles discutiram feio e pedimos para que saíssem da festa. Estava chovendo muito e um lamaçal horrível se formou em frente a boate. O homem deu um tapa na mulher e alguém chamou a polícia. Foi a maior confusão. Eles caíram na lama e foram levados para a delegacia. Pela manhã eu estava saindo do trabalho e vi os dois saindo da delegacia abraçados. Na noite seguinte eles voltaram para a boate. Conversavam e riam parecendo que haviam acabado se conhecer. Eu aprendi que tem casal que realmente foram feitos um para o outro.

SN: Qual a situação mais engraçada que o senhor vivenciou?

MC: Nessa época eu trabalhava no bar Cobrinha Verde. Tinha um cidadão que estava inquieto desde que chegou, mas tudo bem até aí. Lá pelas tantas o bar lotou. Eu atendia aqui e alí. De repente percebi que o cara não estava mais na mesa. Ele tinha feito uma conta muito alta. Perguntei no caixa se ele havia pagado e me disseram que não. Perguntei para o porteiro se ele tinha saído e o vigia me apontou o rumo. Fui atrás e vi um cara correndo e entrando em um quintal. Fui até lá, mas não encontrei. Procurei até cansar. Quando estava voltando, pensando como eu ia pagar aquela conta, ouvi um grito. O dito cara fugiu correndo e caiu dentro de um poço que estava aberto. Chamamos o bombeiro, mas só puderem vir pela manhã. O homem teve que esperar de meia-noite até 10 horas da manhã para ser retirado e eu fiquei lá pra cobrar ele. Ele pagou. Depois do caso passado, eu ri muito dessa situação.

Seu Castelo, em 1980, acompanhando a comitiva do presidente João Figueiredo a uma visita a Oiapoque

Seu Castelo, em 1980, acompanhando a comitiva do presidente João Figueiredo a uma visita a Oiapoque

SN: Dentre os governadores que o senhor serviu, me diga qual mais lhe agradou na gestão e como pessoa?

MC: O comandante Anníbal Barcelos. Os outros foram legais, mas ele tinha um dom de cativar o povo não só na conversa, mas mostrava trabalho. Eu vi que ele realmente se preocupava com o povo. Ele foi o cara mais humano que encontrei. Conheci ele em um bar, e na semana seguinte ele me chamou para a residência oficial. Eu disse a ele que nunca tinha servido residência. Ele respondeu com aquele sotaque engraçado: “a gente conhece quando o “caboco” dá conta”. Eu fui passar um mês na residência, mas fiquei 13 anos, sete meses e 17 dias.

SN: Como garçom de governador o senhor ouviu muitas histórias da administração pública. Conte um pouco disso.

MC: Ah, não posso falar. Se vi ou ouvi não sei de nada. Não falo nada. Mas posso te dizer que ouvi coisas que fiquei de cabelo em pé. O segredo é não transparecer emoção. Se ouviu algo grande fica normal. Se é algo engraçado fica sério. Você tem que passar profissionalismo para ser respeitado.

SN: O senhor serviu muitos políticos e acompanhou os bastidores do poder. Mas o que o senhor espera para a política amapaense?

MC: Os políticos amapaenses e brasileiros não devem ficar longe dos eleitores que não votaram neles. O Estado é um só. A cidade é de todos, independentemente se votou em A ou B. Eu realmente espero que um dia os gestores tenham uma visão macro da sociedade.

SN: O senhor já pensou se não fosse garçom no que trabalharia hoje?

MC: Não sei. Acho que se não fosse minha aproximação com o governador Ivanhoé eu ainda seria trabalhador braçal. Acho que estava em alguma construção por aí. Mas sou muito feliz em ser garçom. Eu tenho a maior satisfação em servir um cafezinho.

SN: Qual o conselho que o senhor deixa para quem quer ser garçom?

MC: Tem que saber aproveitar as oportunidades. Ser positivo, educado, ser mudo e surdo e respeitar. Tem que ser comunicativo, mas não fofoqueiro. É fundamental ser cortês.

Fotos: arquivo pessoal

Seles Nafes
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