Do vudu ao Evangelho

Luiz Mandela é ex-guarda territorial, foi policial em Angola diz ser primo de Nelson Mandela. Ele conta como sobreviveu ao violento ritual de introdução na religião vudu
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ANDRÉ SILVA

O Amapá está cheio de personagens ricos em história, mas quase anônimos. O Site SELESNAFES.COM  encontrou um deles, Luiz de Sousa Mandela, de 56 anos. Ele garante ser primo distante do líder  sul africano Nelson Mandela, falecido em 2013. Luiz, que nasceu no Rio de Janeiro em 1960, conta que foi para a África lutar ao lado dos militantes de Mandela contra o apartheid e depois pela liberdade do líder.

Com 1 ano de idade, ele foi com os pais para Angola onde, aos 9 anos de idade, foi preparado para ser sacerdote da religião de seus pais, o Vudu. O ritual incluía ficar por 29 dias com um ferimento no braço dentro de um quarto sangrando até quase morrer.

Já adulto, foi da Polícia Nacional de Angola até os 21 anos, até entrar para um programa de intercâmbio com o Brasil, onde acabou ficando de vez. Na volta para o Brasil, foi assaltado e teve sua valise com documentos roubados. Mesmo assim conseguiu ficar no Brasil e foi até Guarda Territorial no Amapá.

Hoje, Mandela é evangélico, e vive no Bairro Jardim Felicidade, na Zona Norte de Macapá onde trabalha com jovens em situação de risco. 

Qual o seu parentesco com Nelson Mandela?

Minha mãe é prima de terceiro grau de Nelson.

Como sua família veio parar aqui no Brasil?

Minha família veio visitar o país, e ficou apenas cinco anos que era o prazo da estadia deles aqui. Eles chegaram aqui em 51 ou 52, antes do golpe militar. Mas quando voltei para o Brasil, em 1978 havia fumaça do golpe militar ainda.

O seu pai trabalhava com o que?

Ele era general das forças armadas de Angola. Minha família toda é militar em Angola. A regra lá na África é assim: se o pai morre, o filho mais velho assume o lugar dele.

O senhor é filho único?

Não, sou o caçula. Ao todo somos 14 irmãos.

Carteirinha da Associação que reúne ex-membros da Guarda Territorial do Amapá. Fotos: André Silva

Carteirinha da Associação que reúne ex-membros da Guarda Territorial do Amapá. Fotos: André Silva

Quando o senhor voltou para o Brasil ainda estava como militar?

Sim, ainda. Fiquei um tempo no Rio de Janeiro prestando serviço junto aos fuzileiros navais. Aí conheci uma agente federal que me apadrinhou e me deu todo o apoio, e me apresentou ao alto escalão da Polícia Federal. Por doze anos eu permaneci vigiado e intocável.

O senhor tem filhos, é casado?

Sim, apenas uma filha, e sou casado há 17 anos.

O senhor chegou a se encontrar com o Nelson Mandela?

Sim, por cinco vezes. Eu fazia parte do movimento contra o apartheid. Isso é uma lembrança que eu guardo no meu coração até hoje. Eu ainda era jovem. Tinha uns 17 anos, por aí. A gente lutava contra a segregação imposta pelo homem branco e queríamos paz e igualdade para todos. Nós lutávamos nas províncias, Angola, Moçambique, Cabo verde…O meu irmão mais velho fazia linha direta com Istambul (Turquia) e Petrória (África do Sul. De 1987 a 1990 foi quando Nelson piorou de saúde, ainda preso. Começou então o nosso movimento “uma Carta para o Mundo, Liberte Mandela”.

Começamos a lutar, agora não pelo apartheid, mas pela libertação de Mandela. Do Brasil nós conseguimos mais de cinco milhões de cartas. Aí a Organização das Nações unidas se meteu na parada, que foi quando ele saiu e já saiu logo candidato a presidente da África do Sul.

Luiz Mandela foi da Guarda Territorial

Luiz Mandela foi da Guarda Territorial e agora é pastor evangélico

Como foi sua vida no vuduísmo?

Minha família é toda do vudu. Aí eu não aceitava o vudu. Por que haviam muitas barbaridades acontecendo. Assassinato, sangue derramado para sacrifício que fazem para os espíritos de lá. O negócio é pesado, e eu não queria isso. Eu nunca havia escutado falar de Jeová. Apanhei muito de minha mãe por causa disso. Ela queria que eu fosse sacerdote do vudu.

O senhor falou de sacrifício. O senhor chegou a presenciar algum?

Sim, o meu. Passei 29 dias e 29 noites sem comer e sem beber, com um corte no braço e o sangue rolando. Tenho essa marca até hoje para mostrar a quem quiser ver. Eles fizeram um corte de 25 centímetros e o sangue caía dentro de uma bandeja para ser oferecido em sacrifício. Se eu suportasse todos esses dias e ficasse vivo, seria o escolhido.

E o senhor aguentou…

Sim. Não tive fome, sede, nem vontade de ir ao banheiro por 29 dias em um quarto bem pequeno. Fiquei amarrado para não fazer movimentos. De hora em horas os espíritos tentavam entrar no meu corpo, mas não conseguiam. Eles (os espíritos) diziam e eu ouvia que eles não conseguiam entrar em mim por que eu estava todo lacrado, e não tinham como entrar.

"Espíritos não entraram porque meu corpo é lacrado"

“Espíritos não entraram porque meu corpo é lacrado”

Eu não entendia o que isso queria dizer. Quando chegou no vigésimo sétimo dia  eu pensei que se existia um Deus mais forte que o da minha mãe, ele me tiraria dali. Eu tinha uns oito pra nove anos. De repente o quarto se encheu de luz, uma luz muito forte e do meio dela saía uma voz que dizia: “Eu sou o teu Deus, o Deus Desconhecido”.

Quando completou os 29 dias eu escutava muitas vozes e pensa quanto tempo eu estava ali. Quando eles abriram a porta, não aguentava olhar para a luz. Quando o meu irmão mais velho foi me desamarrar levou uma descarga elétrica que ele foi jogado na parede. Eu não sentia nada. Só estava com o braço inchado.

O senhor acha que o Brasil diferente da África do Sul?

Não muito. Agora o povo de lá é mais determinado. Quando eles dizem: “vamos fazer?” é: “Vamos fazer !”. E fazem. Aqui o povo é muito acomodado. Aqui é “Vamos fazer? Vamos! E aí, na hora que aperta, corre todo mundo. Mas se o povo unir força e disser: “Aqui ninguém passa e vamos resolver isso aqui!”. Lá eles defendem o direito e a igualdade para todos até o fim.

Seles Nafes
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