2017: Uma odisseia sobre a água como luxo

Entre as 100 maiores cidades do país, Macapá ocupa o 96º lugar em saneamento
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JÚLIO MIRAGAIA

 No dia 22 de março é comemorado o Dia Mundial da Água. Pelo menos essa devia ser a intenção, se vivêssemos num mundo em que os direitos fundamentais fossem assegurados, mas a realidade é a antítese.

Em boa parte do planeta, a relação da população com a água beira os melhores (ou piores) futuros apocalípticos de tão bárbaros. Digo isso com a certeza de que não precisamos ir ao Oriente Médio ou até a África para comprovar essa afirmação, basta que saíamos nas ruas de nossa Macapá, no extremo norte da Amazônia. Aqui, com a abundância de água potável existente, padecemos de serviços relacionados à qualidade da água. É o paradoxo da barbárie humana.

rio amazonas

Amazônia tem a maior reserva de água potável do planeta. Foto: IG

De acordo com as Nações Unidas, estima-se que no mundo um bilhão de pessoas carece de acesso a um abastecimento de água suficiente e mais de 2,5 bilhões de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistemas de esgoto adequados. Os direitos à água potável e ao saneamento básico são considerados pela ONU como direitos humanos fundamentais.

O programa Fantástico do último domingo, dia 19, mostrou um estudo sobre o saneamento nas 100 maiores cidades brasileiras. O Instituto Trata Brasil, por meio de dados fornecidos pelo Ministério das Cidades, estabeleceu um ranking sobre a qualidade no serviço prestado. Macapá ocupa o 96º lugar entre os 100 municípios elencados.

Vivemos na região com maior reserva de água potável do planeta. Na Amazônia, está um quinto da reserva de água própria para se beber da Terra e 45% da água subterrânea do Brasil.

Macapá vive a contradição de ser banhada pelo maior rio do mundo e a falta de água encanada ser uma constante. Foto: arquivo/SELESNAFES

Macapá vive a contradição de ser banhada pelo maior rio do mundo e a falta de água encanada ser uma constante. Foto: arquivo/SELESNAFES

Paradoxalmente, a condição de vida da população nas grandes cidades do norte do país passa longe da dignidade no que diz respeito aos direitos fundamentais. O saneamento básico não é uma exceção dessa perversa “regra social”.

A cada 100 habitantes, 4 tem acesso à rede de esgoto na capital amapaense. O sistema de distribuição de água contempla 1 em cada 3 pessoas.

Outras cidades da região também ocupam as últimas colocações, como Belém, Boa Vista, Manaus e Ananindeua, no Pará, a última colocada. Ou seja, na Amazônia, água tratada é um luxo, não um direito.

Claro que não é possível entender a crise no sistema de esgoto e de abastecimento de água na região sem tomar como parte de uma crise do setor no país, afinal, os sucessivos governos nunca tornaram saneamento uma prioridade a ser investida. Somos um país em que 34 milhões de pessoas vivem sem água tratada.

De acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, o investimento do governo federal em saneamento, no orçamento executado em 2015, foi de 0,01% de R$ 2,268 trilhões. Os valores foram inferiores apenas a área de habitação, que recebeu 0% de destinação.

Água tratada e saneamento são luxo, quando deveriam ser direitos. Foto: Cássia Lima

Água tratada e saneamento são luxo, quando deveriam ser direitos. Foto: Cássia Lima

Adicionamos a essa falta de prioridade a crise das companhias de abastecimento, como no caso da Caesa, no Amapá, ou a Cosanpa, do Pará, que economicamente estão insustentáveis da forma como vem sendo administradas.

A consequência é o agravo da situação da saúde pública, o aumento do número de doenças adquiridas pela péssima qualidade da água ou pela falta do serviço que deveria ser prestado.

Enfim, estamos chegando a mais um Dia Mundial da Água no qual notamos que há um resultado que não faz sentido na equação que trabalha a relação entre a abundância do líquido que dá vida no mundo e a forma como governantes e sociedade o trata.

Eduardo Galeano fez da imagem do clássico 2001 parábola sobre a relação de poder sobre a água. Imagem: Youtube

Eduardo Galeano fez da imagem do clássico 2001 parábola sobre a relação de poder sobre a água. Imagem: Youtube

Eduardo Galeano nos recorda em uma crônica sobre essa data em seu livro “Os Filhos dos Dias” que da água brotou a vida, que os rios são o sangue que nutre a terra, e são feitas de água as células que nos pensam, as lágrimas que nos choram e a memória que nos recorda.

Galeano recorda também nessa mesma crônica que, desgraçadamente, a água ficou com o macaco que tinha o garrote, como em 2001: Uma Odisseia no Espaço.

Foto destaque: ONU/Kibae Park

Seles Nafes
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