MP pede condenação de Brahúna, e acrescenta áudio de suposta coação

Ex-desembargador é acusado pelo MP de interferir em investigação para proteger dois advogados, um deles seu filho
Compartilhamentos

SELES NAFES

O Ministério Público do Amapá recorreu da decisão do juiz Adão Carvalho, da 1ª Vara Criminal de Macapá, que considerou não haver provas contra o desembargador aposentado Constantino Brahúna, acusado de violação de sigilo e prevaricação quando era corregedor do Tribunal de Justiça do Estado (Tjap).

Ao recorrer, o MP incluiu trechos de conversas gravadas por uma juíza que teria sido coagida pelo então desembargador. A juíza analisava um processo que corria em segredo de Justiça e envolvia o filho dele, o advogado Constantino Júnior, e outro advogado, Waldenes Barbosa. Os dois figuravam num inquérito do MP que investigava um suposto crime de lavagem de dinheiro. O promotor do caso pediu a interceptação telefônica de ambos.

O inquérito, aberto em 2013, acabou sendo arquivado no ano seguinte, segundo o MP, por culpa da interferência do então desembargador Constantino Brahúna, que teria comprometido a escuta telefônica e colheita de provas.

Ele foi denunciado por duas juízas ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e depois foi acusado de transferir as mesmas magistradas para o interior do Estado apenas para se vingar. Constantino Brahúna acabou recebendo a pena máxima da magistratura, a aposentadoria compulsória, aos 67 anos. Hoje, ele é advogado.

Waldenes Barbosa: MP afirma que advogado foi gravado por juíza. Foto:: Arquivo

Em dezembro do ano passado, no entanto, o juiz Adão Carvalho entendeu que não havia provas contra ele, mas, no último dia 25 de janeiro, o MP ingressou com recurso no Tribunal de Justiça.

Segundo a denúncia, inicialmente apresentada pelo Ministério Público Federal, em 2015, Constantino Brahúna teria cometido violação de sigilo funcional e prevaricação (duas vezes) ao, supostamente, revelar a seu filho e ao advogado Waldenes Barbosa que os dois estavam com os celulares sendo monitorados em investigação e com ordem judicial.

Segundo os autos da ação penal contra o ex-desembargador, no dia 26 de dezembro de 2013,  mesmo em recesso forense, na condição de corregedor, ele editou uma normativa alterando a regra para a quebra de sigilo telefônico.

No dia 30, antes da publicação do novo provimento (que ocorreu somente no dia 2 de janeiro de 2014), um juiz deferiu a quebra do sigilo telefônico do empresário Luciano Marba (LMS), do advogado dele, Waldenes Barbosa, e de outro empresário de Macapá.

No dia 15 de janeiro de 2014, o MP pediu a prorrogação das interceptações, e a inclusão do filho do desembargador como um dos investigados a ser também monitorado. Estava no comando da 3ª Vara Criminal, aonde chegavam os pedidos, a juíza Marcella Peixoto Smith, que depois gravaria sigilosamente duas conversas que seriam essenciais para a denúncia do MP.

Constantino Brahúna Júnior: “factoide do MP para afastar meu pai”

Em fevereiro de 2014, o desembargador editou outro provimento que, segundo o MP, dificultava ainda mais o deferimento das quebras de sigilo telefônico.

O então desembargador disse no processo que, no dia 13 de fevereiro de 2014, recebeu a visita do advogado Waldenes Barbosa se queixando sobre a suposta desobediência ao novo provimento, que determinava que cada pedido de quebra de sigilo telefônico deveria ser individualizado. A mesma queixa teria sido feita por outro advogado associado a Waldenes Barbosa, o ex-desembargador Mário Gurtev, que já foi presidente do Tribunal de Justiça.

No mesmo dia 13, o corregedor mandou chamar a juíza Marcella Peixoto (3ª Vara Criminal) para uma conversa na Corregedoria, e ela atendeu a convocação acompanhada de mais duas juízas.

Segundo a denúncia, Constantino Brahúna indagou se ela estava tomando decisões observando os novos provimentos editados por ele. Ele ainda teria afirmado que estava recebendo reclamações de advogados.

No dia seguinte, de acordo com o Ministério Público, o corregedor foi pessoalmente até a 3ª Vara Criminal e ordenou que a juíza lhe desse acesso ao processo onde estavam sendo investigados o filho e o advogado Waldenes Barbosa. Ele alegou que estava apenas fazendo uma inspeção rotineira, inerente ao cargo.

A magistrada informou que o processo era sigiloso, mas o desembargador teria insistido, afirmando que abriria um procedimento disciplinar contra ela, caso os provimentos estivessem sendo desobedecidos. A denúncia narra que o processo foi localizado e entregue a Constantino Brahúna que teria folheado os autos, e constatado que os procedimentos editados por ele estavam sendo desobedecidos.

“(…) Em que pese estar em tramitação na 3ª Vara Criminal vários processos com pedido de busca e apreensão e interceptação telefônica, o apelado (Brahúna) requisitou especificamente os autos em que eram investigados os advogados Waldenes Barbosa e Constantino Brahúna Junior, este filho do apelado, o que demonstra sua real intenção em fazer uso indevido de sua função como corregedor”, diz trecho do recurso apresentado pelo MP.

Conversas foram gravadas na 3 Vara Criminal

O que o desembargador não sabia, de acordo com o MP, era que a conversa estava sendo gravada pela juíza Marcella Peixoto. Trechos da transcrição foram incluídos no recurso do MP.

Brahúna: Eu queria dar uma olhada naquele processo lá.

Juíza: Eu não sei onde ele fica guardado…

Brahúna: Eu não sei onde está saindo a central de boatos, mas inclusive o Mário Gurtyev já veio aqui comigo também. `

Juíza: Sim, mas o senhor quer ver se foi cumprido o provimento?

Brahúna: Eu quero observar se foi cumprido o provimento, quero ver se foi na primeira decisão e na outra de prorrogação.

Juíza: Na primeira não, ainda não tinha o provimento.

Brahúna: Já existia o provimento.

Juíza: Não, não existia. O seu provimento é de 26 de dezembro e o primeiro pedido é antes.

Brahúna: Eu queria dar uma olhada, dar uma checada […] Não é porque é o Mário Gurtyev, é porque existe um documento e o provimento está escorreito, está correto.

Juíza: Eu tenho como imprimir as decisões […].

Brahúna: Eu quero o processo, quero olhar a petição inicial quando entrou o pedido, entendeu? Porque se eu observar que foi descumprido o provimento eu vou abrir PA (processo administrativo), isso aí não tenha a menor dúvida.

Juíza: Não, mas eu lhe digo, o primeiro pedido não tinha provimento, o segundo que já foi pedido na minha mão […]

Brahúna: Não, mas eu quero conferir, doutora […].

Juíza: […] tudo bem, eu não tenho razão para lhe mentir […].

Brahúna: Não, eu quero dar uma olhada, eu tô em inspeção, entendeu? Tô olhando o horário, tô olhando se estão cumprindo as normas, tô olhando se os assessores de juiz estão chegando no horário. Eu não vim aqui deliberadamente, decretadamente para olhar esse processo. Eu vim aqui para fazer uma inspeção geral, tanto que antes de vir aqui eu já passei por todas as varas […].

Brahúna: […] Olha só aqui pedido contra fulano, fulano, fulano, fulano. Isso não é possível, tá? Isso não é possível.

Juíza: Mas isso é o pedido, desembargador, tem as razões aqui.

Brahúna: Mas não é isso, tem que ser individualizado.

Juíza: Mas tá, eu já li, eu conheço, sou conhecedora. O senhor vem aqui, dá uma olhadinha […]

Brahúna: Não está doutora, não está doutora, eu já li. O pedido não está em termos, não adianta. Olha o tanto de gente aqui. Não está.

O MP diz que a gravação demonstra que Brahúna estava determinado a acessar especificamente o processo em que o filho e o advogado Waldenes Barbosa estavam sendo investigados.

Durante a instrução do processo contra si no STJ, o desembargador negou que teve acesso ao processo, afirmando que ele foi colocado sobre a mesa pela própria juíza “que o abriu na frente do apelado (Brahúna), sem que o mesmo tivesse lido o conteúdo”.

Três dias depois desta conversa, o MP afirma que a juíza foi procurada novamente, desta vez por Waldenes Barbosa. Marcella Peixoto mais uma vez gravou a conversa.

Segundo o MP, Constantino Brahúna usou o cargo de corregedor para atrapalhar investigações

Num dos trechos, ele afirma que sabia que estava com o nome incluído no processo, e que por isso tinha o direito de ter acesso aos autos.

Juíza: Só uma questão, todo o processo de quebra de sigilo é para tramitar em segredo de justiça.

Waldenes Barbosa: Correto, mas ele não é sigiloso para mim que sou parte.

Juíza: É, é porque tem os outros.

Waldenes Barbosa: Pois é, mas da forma que se move, sobretudo aqui em Macapá, ele me causa prejuízo porque depois de deferido, despois do dito, eu tenho meu sigilo quebrado, minha vida exposta que todo mundo na cidade já sabe disso. Quer dizer, que ele é sigiloso para mim que sou parte e para toda fofoca da cidade ele não é.

Juíza: Bom, eu não sei de onde saiu essa fofoca.

Waldenes Barbosa: Pois é, mas eu sei que saiu. Eu não sei também, concordo com a senhora que eu não sei. Mas…

Juíza: E pelo que eu tô entendendo então, a fofoca é muito forte porque o senhor veio na juíza certa.

Waldenes Barbosa: Correto.

Juíza: O senhor não veio, não passou nas outras criminais pra saber.

Waldenes Barbosa: Não, deixa eu lhe dizer. Eu sou sócio em alguns processos do Dr. Constantino Brahúna Júnior, foi ele que me falou, ele não pediu segredo. Ele me disse qual era a juíza, qual era o juízo e eu vim certo, é claro que eu vim certo. Eu tô defendendo o meu interesse.

Em depoimento no STJ, no entanto, Waldenes Barbosa disse que a informação teria sido repassada por um servidor do MP a uma funcionária sua, durante uma festa. Contudo, a denúncia diz que Waldenes Barbosa procurou a magistrada apenas dois meses depois da festa.

Procurado pelo portal SELESNAFES.COM, Waldenes Barbosa disse que considera o episódio sepultado, e negou que tenha dito à juíza que sua fonte era Constantino Brahúna Júnior, filho do desembargador aposentado.

“Fiquei sabendo por um membro do Ministério Público”, limitou-se a dizer.

Já o advogado Constantino Júnior disse que encontrou com Waldenes Barbosa no Fórum, e este teria dito que ficou sabendo que estava sendo investigado. Constantino Júnior alegou que apenas deu uma orientação a ele.

“Eu disse para ele procurar a Vara e falar com a juíza para ter acesso ao inquérito. Não teve vazamento. Eu nem fui interceptado. O MP pediu no dia 12 de janeiro minha interceptação, e no dia 15 pediu minha exclusão porque não havia indícios da minha participação. Foi um factoide criado pelo MP para afastar meu pai”, disse ao portal SN, nesta quarta-feira (14).

“Tomamos conhecimento em maio por meio do CNJ. Não tínhamos conhecimento disso, nem eu, nem meu pai”, acrescentou.

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!