Navio de passageiros: Podemos?

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Por RICARDO FALCÃO, vice-presidente Mundial da Praticagem
A temporada de navios de passageiros, que vai de novembro a março aqui na região, sempre levanta a discussão na mídia sobre como atraí-los para gerar benefícios através do turismo. Mas, afinal, dentro do tema do aproveitamento futuro de um porto, seja em Santana ou em Itaubal, o que este setor quer?
O navio de passageiros que vem para a Amazônia possui um perfil bem diferenciado: a maioria é de navios menores transportando um público de poder aquisitivo muito alto. Público este, em geral aposentados de países ricos, com forte exigência de conforto e de opções de passeio de qualidade.
São navios com cassinos, torneiras de ouro, shows de mágica, cantores famosos e um conjunto de pessoas destinadas a suprir todas as vontades dos passageiros, seja em seus camarotes, restaurantes, piscinas ou biblioteca.
A grande atração para este público é o próprio navio, muitos com diárias de dois mil dólares e viagens com duração de duas a três semanas. Algumas opções, inclusive, com pacotes onde toda a comida e bebida estão incluídas. Todos oferecem paradas para um passeio “em terra”, quebrando a monotonia de viagens longas.

Navio de passageiros de alto padrão: público exigente. Fotos: Arquivo/SN

A proposta é desembarcar para uma determinada atração em terra, de trezentos a mil passageiros ao mesmo tempo, junto com a tripulação que quer descansar após longos períodos embarcados. Estamos falando em estruturas de turismo capazes de atender de 500 a 1.500 pessoas.
Precisamos oferecer ônibus com ar condicionado, shows de qualidade, contato com a natureza e restaurantes prontos para atender grupos enormes, oferecendo banheiros limpos e serviço de alto padrão.
Necessitamos, também, de uniformidade na prestação de serviço: garçons, cozinheiros, motoristas e guias de turismo que atendam com educação e presteza, fluentes na língua inglesa.
Vejo os guias de turismo de nossa vizinha, a Guiana Francesa, e me deparo com opções de visitação à flora e à fauna locais, contato com tribos indígenas, passeios de 2 a 5 dias em embarcações. São ideias que poderiam, facilmente, ser aplicadas aqui.
Só que, além de tudo isso que eles têm, nós podemos desenvolver uma visita bem organizada a nossa Fortaleza de São José, ao Monumento do Marco Zero do Equador, e também deveríamos estimular a criação de uma região de restaurantes, como acontece em Puerto Madero, na Argentina.

Navio de cruzeiro Marco Polo, em passagem pelo Amapá no ano passado

Porém, ofereçamos ainda mais: implementar uma linha férrea de passeio turístico, como existe em Antonina, no Paraná. Este trajeto poderia ser até nossa linda Ferreira Gomes, com estrutura para receber e atender tantas pessoas que fariam esta viagem em um dia ou mais.
Ampliação da rede hoteleira local, a implementação de uma infraestrutura melhor e uma melhor divulgação dos banhos naturais pode ser a chave para aquela região atrair turistas.
Contudo, será que teríamos estas atrações e estrutura hoteleira de tal maneira desenvolvidos que a acessibilidade e a mobilidade instaladas sejam capazes de atender mil pessoas acima de 60 anos na nossa região? Teríamos um contingente de atendentes, em diversos níveis, falando línguas estrangeiras e com a necessária segurança pública para que o turista tenha uma experiência única, sobre a qual ele falará bem para todos os seus amigos quando retornar ao seu país?
Conseguiríamos atrair turistas a ponto de ficarem no Amapá aguardando por alguns dias o navio que subiria até Manaus para recolhê-lo na volta? E os que quiserem encerrar ou iniciar uma viagem de navio por aqui, teríamos como receber ou administrar a saída de tanta gente no mesmo dia através do nosso aeroporto?

Ricardo Falcão: debate necessário

Apesar das perguntas incômodas me fazerem sentir um frio na barriga, nós mal arranhamos a questão. Tenho certeza de que mesmo que tenhamos tudo isso eles repetiriam um mantra que assisto no mundo todo:

  • Querem um porto com terminal de passageiros, pago com dinheiro público e tendo toda a infraestrutura necessária, para exploração de uma atividade privada;
  • Querem total redução de custos de todas as estruturas que foram disponibilizadas apenas para eles;
  • Querem que leis de cabotagem não se apliquem à eles pois, após certo tempo navegando na nossa costa, teriam que empregar brasileiros
  • Que eles operem sem pagar impostos.

A questão não é se podemos, pois a resposta é sim, podemos! Este debate serve como chama para desenvolvermos nosso turismo, não importando através de qual meio de transporte. A principal questão é: queremos ter navios de passageiros?
A resposta e mais alguns pontos para reflexão no próximo artigo.

Seles Nafes
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