Estudos contestam heroísmo de Cabralzinho, e exaltam coragem do povo de Amapá

Artigo reúne a conclusão de pesquisadores sobre a origem e o que Cabralzinho fez na área do contestado
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Por GESIEL OLIVEIRA, geógrafo e professor

É fundamental, antes de tudo, que se procure saber sempre por quem determinado personagem histórico é considerado herói. Por que ele merece essa classificação? Quais as variações de significado e importância que o herói assume em situações históricas determinadas?

O final do século XIX foi marcado pelas construções de símbolos de manipulação, como o herói. A República precisava se consolidar, principalmente no Norte do Brasil, e eram necessários símbolos para ajudar a criar o imaginário republicano. Assim se criou um processo heroico em torno de várias figuras, dentre elas Cabralzinho, pela sua resistência contra os franceses no dia 15 de maio de 1895.

A Origem de Cabralzinho

Cabralzinho foi um político que sempre foi alvo de duras críticas, principalmente pelo seu feito “heróico” ao mesmo tempo de elogios por alguns estudiosos e historiadores.

Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05 de maio de 1861, e faleceu dia 18 de maio de 1905 em Belém, aos 44 anos de idade. Era paraense, natural da cidade de Cametá. Foi comerciante por muito tempo, exerceu vários cargos públicos, assim como escrivão e despachante da Alfândega Paraense.

Chegou ao Amapá depois de se envolver em uma revolta armada, para restaurar a monarquia, depor o governador na época Duarte Huet Bacellar e impedir a posse do novo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré.

Francisco Xavier da Veiga Cabral, mais conhecido como “Cabralzinho”, tinha esse apelido por causa de sua baixa estatura.

Em 1891, liderou uma revolta contra o governo do Partido Republicano do Pará, o que deixou a cidade de Belém em “pé de guerra”.

Foto: Reprodução

Cabralzinho, motivado por interesses partidários de oposição, colocou-se contra o direito de votação da população, que seria inserido na Constituinte do Pará em 11 de junho de 1891. Cabralzinho e uma pequena parte dos democratas não eram a favor da votação, defendendo que ela prejudicaria os interesses políticos da oposição, contudo, no partido, não houve consenso sobre a revolta, sendo a proposta derrotada.

Veiga Cabral não aceitou a decisão do Partido Republicano Democrata (PRD) e com auxilio de um grande número de praças e oficiais do Corpo de Polícia do Pará, somados a correligionários Democratas do interior do Estado, organizou o movimento revoltoso.

Liderados por Cabralzinho, o grupo invadiu o quartel de polícia sendo apoiado por vários membros da corporação. No quartel, o grupo se apropriou de uma quantidade considerável de armas lá existentes para fazer à revolta. Depois este grupo partiu em direção à residência do presidente do partido Democrata Vicente Chermont de Miranda , o qual não se encontrava em casa, assim amotinados dirigiram-se para o Sítio do Cacaolinho onde ficaram aguardando a chegada de alguns revoltosos da localidade de São Domingos do Capim.

Cabralzinho fugiu do Pará após tentativa de golpe

O governo, ao saber da revolta, organizou uma reação contra os amotinados, e contou com auxilio da Marinha do Brasil  e do Corpo de Bombeiros que cercaram o local e, após grandes disputas, conseguiram vencer o grupo de Veiga Cabral. Isto por que o governo prometeu anistiar todos os envolvidos na querela.

Fuga para o Amapá, disputado por Brasil e França

Entretanto, dias depois do fim do conflito, o governo começou a prender os principais lideres do partido Democrata, exceto Cabralzinho, que fugiu antes de ser preso e exilado. Cabralzinho foi fugitivo para os Estados Unidos da América, retornado apenas após a declaração de anistia aos envolvidos na revolta.

Mesmo assim, ele preferiu se instalar na Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha receio de represália política e também porque soube da descoberta de campos auríferos em Calçoene na área contestada por França e Brasil, que reafirmava a ideia que o “El Dourado” se localizava na Amazônia.

Cabralzinho, chegando à vila, continuou no ramo do comércio. Ganhou muito prestígio (além de dinheiro e terras, é claro) no Amapá. Fez parte do Triunvirato e foi, a partir da composição deste governo local, que passou a ser conhecido. 

Cabralzinho incomodava a Guiana Francesa

Seus feitos como presidente do Triunvirato começaram a incomodar principalmente os franceses, como afirma Cardoso, ao ressaltar que, nos primeiros anos em que Cabral permaneceu na vila do Amapá, não há maiores referências ao seu nome ou qualquer grupo organizado de brasileiros.

Foi apenas a partir de 1895 que o governador da Guiana Francesa passou a pedir autorização de interferências no Contestado para o Ministro das Colônias em Paris, em virtude de Cabral ter se tornado governador da Vila Amapá, em dezembro de 1894, e instituído uma legislação que permitia a exploração aurífera no leito do rio Calçoene.

Cabralzinho se tornou um líder dentro da Vila do Espírito Santo do Amapá por ter a malícia que todo e bom político têm, e começou juntamente com o Triunvirato a organizar politicamente e socialmente com legislações aquela região esquecida pelo governo brasileiro.

Estátua de Cabralzinho também foi revitalizada no Centro de Macapá. Foto: Arquivo/SN

A área do Sagrado Espírito Santo do Amapá pertencia à área contestada desde o século XVII pela França, a qual nunca teve direitos sobre a mesma, conforme tratados que foram assinados, primeiramente o Tratado Provisional de 1700. A área se tornou uma terra de sonhos no imaginário de muita gente, como escravos fugitivos tanto da Guiana Francesa como do Brasil, soldados desertores e criminosos. Mais tarde, essa terra seria motivo de disputa entre Brasil e França.

Segundo o historiador Cardoso (2008), o governo de Cabralzinho era um governo pessoal e ele era um ditador. As suas ações foram em benefício da elite brasileira, não só daquela que habitava na área contestada, mas, também, da que morava em Belém.

Tirania no Amapá

Essas afirmações são confirmadas quando analisamos o relatório feito pelo cientista alemão Emílio Goeldi, chefe de uma expedição do Museu Paraense de História Natural e Etnografia, conforme o mesmo em seu relato diz que:

“[…] apresentei-me em casa do Senhor F. da Veiga Cabral, Governador do Amapá […] Instalamos o nosso laboratório na Escola Pública; o nosso quartel-general era na casa e no quarto particular de Cabral. Cabral seguiu na mesma noite, a bordo do “Ajudante”, ficando o governo entregue a gente da nossa roda – que pouca ou nenhuma confiança me inspira. É uma oligarquia de capangas […] A população vive debaixo de uma tirania nojenta e percebi desde as primeiras horas sintomas sérios do descontentamento, de oposição […]

Não quero e não posso acusar diretamente o Senhor Cabral da culpabilidade destes abusos sem conta, praticados tanto nos deportados como nas pessoas livres do lugar […] Mas que a roda dele é ruim, péssima, abjeta – não há dúvida alguma e julgo ser o meu dever esclarecer ao Governo Brasileiro acerca d’isto, enquanto que é tempo […] (GOELDI, 1895 apud ANDRADE, 2000, p. 55).”

Carnificina e fuga

Há muitas dúvidas sobre o que de fato aconteceu naquele dia 15 de maio de 1895, quando a esquadra francesa, comandada pelo Capitão Lunier, invadiu a Vila do Sagrado Espírito Santo na área do Contestado Brasileiro. 

Estátua no município de Amapá, onde Cabralzinho é considerado herói. Foto

Cabralzinho sempre se põe como governador do Amapá, e Trajano, por ser um representante francês, atrapalhava de certa forma seus planos na região aurífera, que segundo Cardoso, ele, antes de estar relacionado com a representação do herói nacional, tinha interesses reais em torno das expectativas mais proeminentes de quase todos que buscaram o território em litígio a partir de 1893, que era a busca de jazidas auríferas […] ele fazia parte de todo um contexto histórico, no contestado, marcado pela corrida em busca de jazidas auríferas […] (CARDOSO, 2008, p. 24).

A prisão de Trajano provocou uma reação imediata por parte do governo da Guiana Francesa, conforme Reis (1968, p.111), “governava a Guiana Mr. Charvein que não demorou em expedir contra o Amapá uma expedição militar, que se transportou no navio de guerra Bengali, sob o comando do capitão-tenente Lunier”.

É a disputa pelas jazidas auríferas e pelo território contestado ganhando mais evidência e força. Assim, no dia 15 de Maio de 1895, expede-se a Canhoneira de Guerra Bengali, chegando ao território contestado no intuito de fazer cumprir as determinações dadas pelo governador de Caiena, que era libertar Trajano e prender Cabralzinho.

A expedição francesa do dia 15 de maio de 1895 à Vila do Espírito Santo do Amapá se tornou numa verdadeira carnificina. A mesma foi relatada por Carlos Augusto de Carvalho, ministro das relações exteriores da época. Crianças, idosos, adultos foram massacrados, num total de 40 mortos. Quatro oficiais franceses foram mortos, incluindo o seu comandante.

As controvérsias começam pelo próprio Cabralzinho que, em sua carta, deixa dúvidas se foi ele mesmo que matou Lunier. Conforme seu relato ao ministro das Relações Exteriores, uma carta de cunho oficial, o mesmo disse:

“dei-lhe três tiros com seu próprio revólver, levando ele mais duas balas de rifles”.

Segundo seu relato, Cabralzinho não deixa claro que matou o capitão francês, mas o mesmo começa a tropeçar em suas próprias palavras. Em uma entrevista ao Jornal Folha do Norte, o mesmo falou:

“Matei o capitão Lunier com seu próprio revólver”.

As controvérsias ficam ainda maiores quando Raiol (1992) coloca em dúvida essa veracidade de Cabralzinho.

Museu Joaquim Caetano guarda grande acervo sobre Cabralzinho, mas o lugar está fechado

O referido autor reforça a especulação que Cabralzinho não matou Lunier ao apresentar o relato do filho de uma sobrevivente do ocorrido no dia 15 de maio de 1895. O senhor Paulo de Souza Magave, em seu depoimento, disse:

[…] tinha um prisioneiro, não sei se ela (mãe) ainda sabe o nome desse prisioneiro, gritou que queria que soltasse ele, pra que ele queria morrer, mas não preso […] ele era baixinho e aguentou no peito do corneteiro […] e o corneteiro caiu, aí fizeram fogo […] e o Cabralzinho nessas alturas foi se esconder no mato, né. Quem tava de testa para resolver a parada era um senhor por nome Félix […] (RAIOL, 1992, p. 200). 

Mais tarde, esse fato foi confirmado pela própria Dona Ianez Valeriana de Souza Magave, que, segundo Raiol (1992, p. 201), já não tinha muitas forças e lucidez para falar, mas em relação à Cabralzinho a Dona Ianez falou:

“Falsidade! Foi falsidadem porque o cabeça era o velho Félix. Aquele homem era guerreiro mesmo. Cabralzinho, Cabralzinho, ele foi se esconder […]”.

Essas contradições só alimentam a desconfiança sobre o heroísmo de Cabralzinho e aquela velha brincadeira do “mato ou morro”, como não tinha morro ele correu pro mato, deixando a população a mercê dos franceses, mas o certo é de que Cabralzinho não lutou sozinho contra os franceses, mas levou toda a glória por ele ter feito uma campanha patriótica e heróica em torno dele mesmo, e a população que lutou e morreu foram deixados de lado pelos jornais da época, pela república e principalmente por Cabralzinho.

Quem são os heróis?

Dizer que Cabralzinho é herói e esquecer a população que lutou ao lado dele contra a invasão francesa é muita prepotência, pois ninguém ganha uma batalha sozinho. As pessoas que morreram e as que sobreviveram também foram heróis, eram poucas e conseguiram expulsar os franceses, lutaram pelo pequeno pedaço de chão que eles tinham. Eram pessoas humildes e conseguiram vencer.

Eles foram verdadeiros heróis, que foram esquecidos pela história oficial e positivista em algum lugar da própria história.

Seles Nafes
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