SELES NAFES
Como era mágico ajudar os garotos da rua a esticar os barbantes de um poste a outro para erguer as bandeirolas em verde e amarelo. Como era bom passear de bicicleta por outras ruas de Icoaraci (PA) e ver que outros meninos tinham feito a mesma coisa.
O vento batia e suspendia bandeirolas e fitas coloridas numa só direção, num movimento sincronizado. No asfalto, os mais talentosos desenhavam e pintavam as mascotes das copas de 82 (México) e 86 (Espanha). Alguns estavam longe de serem obras de arte, mas o que importava era o gesto.
Apesar de terem sido copas com resultantes frustrantes, a esperança sempre se renovava nas competições seguintes. Foi assim na Itália (1990) e nos Estados Unidos (1994), quando veio o Tetra.
Em 1998 (França), quando eu já morava em Macapá havia seis anos, já era bem visível que a tradição estava se perdendo junto com a fogueira de São João. Mesmo em 2002 (Coreia e Japão), quando veio o Penta, a animação já não era mais a mesma.
Coincidência ou não, vimos esse sentimento murchar na medida em que os escândalos de corrupção explodiam na mídia. Mas o que a Seleção Brasileira tem a ver com a política? Tudo, e nada!
Foram os militares que ensinaram pra gente que torcer pelos jogadores na Copa do Mundo era torcer pela pátria, a pátria de chuteiras, uma eficiente e publicitária cortina de fumaça.
No início dos anos 80, antes de cada filme no cinema, o espectador assistia ao Canal 100, uma produção cinematográfica patrocinada pelo governo que exaltava o amor pela camisa e pela Nação. Surgiu a simbiose.
O problema é que cada novo escândalo de corrupção no Planalto Central parece respingar no sentimento de patriotismo, e de quebra na pobre da Seleção Brasileira, que nada tem a ver com isso. É claro que todo mundo ainda para o que está fazendo para assistir aos jogos, mas as outras tradições, salvo poucos exemplos, ficaram para trás.
Seria interessante que na próxima Copa (2022), a prefeitura ou o governo lançassem um concurso para premiar a rua mais ornamentada para a Copa. A iniciativa privada também.
Claro que o poder público tem problemas mais importantes para resolver, mas resgatar uma tradição tão bonita não ia fazer mal pra ninguém.
Vamos curtir a Copa do Mundo, afinal, o brasileiro ama o futebol, e isso não tem nada a ver com ligar ou não para os problemas do Brasil. Isso é outro assunto.