Ricardo Boechat: a partida de alguém necessário em um Brasil de tragédias

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Crônica por JÚLIO MIRAGAIA

No fim da manhã desta segunda-feira (11), o jornalista Ricardo Boechat, de 66 anos, morreu em um acidente de helicóptero, em São Paulo. O acontecimento revestiu uma vez mais o país em luto, em meio às tragédias recentes: da centena de mortos na lama da Vale, em Brumadinho (MG); das enchentes no Rio de Janeiro; e a que fez vítima os jovens jogadores no Centro de Treinamento do Flamengo.

Na rádio e na TV, havia no jornalismo opinativo de Boechat uma visão honesta, ora bem humorada, ora indignada dos fatos. Mesmo os que não concordavam com suas avaliações, respeitavam o trabalho desempenhado pelo profissional que teve a desenvoltura de migrar do impresso para a TV e da TV para o rádio.

Assisti na tarde de domingo pela primeira vez ao filme Spotlight. Baseado em fatos reais, o longa trata sobre o bom trabalho jornalístico desempenhado por uma equipe de repórteres nos EUA ao apurar o acobertamento de casos de pedofilia envolvendo padres.

Trajetória marcada por capacidade de se adequar às mudanças que o jornalismo precisou passar ao longo dos anos Foto: Agência O Globo

Na trama, os profissionais de imprensa do Boston Globe levam meses apurando e conversando com vítimas dos abusos, até conseguirem provas robustas de como funcionava o sistema criminoso, mantido sob sigilo.

Como em Spotlight, entrar em problemas reais da sociedade, nas suas reais motivações e provocar o debate, era uma virtude indiscutível de Ricardo Boechat, vencedor por duas vezes do Prêmio Esso de jornalismo. Nos últimos anos, ele cumpria esse papel fundamental na Rádio Band News e na TV Bandeirantes.

Na Rádio Band News, onde tinha programa pelas manhãs Foto: reprodução

Lembro-me de quando opinou sobre as manifestações de junho de 2013, defendendo-as de um discurso imperativo na imprensa, que as simplificavam como atos de vandalismo. Ou quando criticou duramente quem defende torturadores.

Precisamos hoje, mais do que nunca, de profissionais com essa capacidade, de entrar pela abordagem correta em assuntos fundamentais que podem ser tão caros à sociedade.

Na contramão dos profetas do fim dos dias, que decretam a falência da imprensa, o trabalho do jornalista tem um atualíssimo papel de levar à esfera pública debates que ajudem a progredir. É verdade, que a profissão precisa e está se reinventando e que esse tem sido um processo lento, ante a velocidade das redes sociais, das fake news e da manipulação de opiniões com robôs que geram linchamentos virtuais e até coisa pior.

Apresentador José Datena dá a notícia da morte de Ricardo Boechat Imagem: reprodução/internet

Nos dias atuais, há anti-debates e não comunicações que despertam os mais primitivos instintos. A selvageria verbal é vociferada por uma legião de vozes que celebram a barbárie, fundamentada em verdadeiras cortinas de fumaça como debates sobre a cor da roupa de meninos e meninas ou de que lado estamos quando alguém morre. Enquanto isso, questões centrais para o país são relegadas a segundo plano de discussão, como a situação econômica, o desemprego, o meio ambiente.

Nestes tempos difíceis, em que a ignorância desenfreada é ordem, em que o autoritarismo e a violência são vistos com simpatia ou solução para nossos problemas, o jornalismo brasileiro perdeu uma unanimidade.

Uma unanimidade necessária para ajudar a refletir sobre as tragédias que devastam este país.

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 Assista, abaixo, aos vídeos em que Boechat fala sobre as manifestações de junho de 2013 e sobre torturadores.

 

Seles Nafes
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