O exame de ordem chegou ao fim?

O exame foi criado há 22 anos. Antes, para ser advogado, bastava ter concluído a faculdade de direito reconhecida pelo MEC, ter comprovado o estágio obrigatório e se submeter a uma entrevista.
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Por GESIEL OLIVEIRA

O assunto é polêmico, porém sua discussão é antiga e estabelece uma divisão de opiniões acerca da constitucionalidade e a manutenção do exame para inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O exame de ordem foi criado há 22 anos. Antes disso, para ser advogado bastava ter concluído a faculdade de direito reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), ter comprovado o estágio obrigatório e se submeter a uma entrevista.

O assunto voltou a baila por conta da edição do Decreto 9.745 de 08/04/2019 em seu Anexo I, art 1º, XXXVII*, assinada pelo Presidente Bolsonaro. Na prática, determina que a Secretaria Nacional do Trabalho, órgão vinculado a Ministério da Economia, regulamente as profissões no Brasil, criando, assim, a obrigatoriedade destes profissionais estarem vinculados ao Ministério da Economia (ME), esvaziando de certa forma, as finalidades da OAB, mas quem passará a regular as profissões no Brasil será o ME.

* ESTRUTURA REGIMENTAL DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA
CAPÍTULO I
DA NATUREZA E DA COMPETÊNCIA
Art. 1º O Ministério da Economia, órgão da administração pública federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:
(…)
XXXVII – regulação profissional.

Atualmente, para ser advogado, os bacharéis em direito, têm que passar pela prova da OAB. Fotos: Divulgação

Antes mesmo desse decreto que entrará em vigor no dia 15 deste mês, um projeto de lei proposto pelo deputado federal José Medeiros (Pode/MT) foi apresentado na Câmara. O projeto de lei visa extinguir o Exame de Ordem como exigência para inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e, consequentemente, para o exercício da profissão. No PL 832/2019, o parlamentar requenta um projeto apresentado em 2007 pelo então deputado Jair Bolsonaro. A justificativa para o fim do Exame de Ordem para os bacharéis em Direito é a equiparação com as outras profissões do país que “não têm a necessidade de se submeterem a uma avaliação”.

De acordo com o projeto de Bolsonaro, a Constituição estabelece que a educação será promovida com a colaboração da sociedade e, por isso, não há dúvida sobre “a competência dos estabelecimentos de ensino em qualificar o cidadão para o exercício profissional e, como consequência, exclui tal atribuição da Ordem dos Advogados do Brasil”.

O deputado argumenta ainda que quem deve fazer a seleção quanto à qualidade dos serviços prestados é o mercado, e não um exame que não garante a qualificação prática de um graduado que estudou por cinco longos anos. Em outros países desenvolvidos da Europa e na América do Norte não há nada que se equipare com isso.

Uma instituição classista não pode reduzir o papel de um curso de graduação, não pode ser maior que o MEC, não pode limitar a atuação profissional e renegar ao bacharel em direito a condição de “nada”. Porque hoje quando o estudante de medicina se forma, ele é médico, quando o estudante de jornalismo se gradua ele é jornalista, quando o estudante de engenharia conclui a faculdade ele é engenheiro, e no que se torna um estudante de Direito quando conclui a sua graduação?

Isso é uma afronta. O exame de ordem viola garantia de direitos fundamentais, o estado brasileiro junto com todas as suas instituições republicanas são responsáveis por violações às garantias de direitos fundamentais, e que por conta disso cerca de 1,5 milhão de trabalhadores graduados em Direito estão alijados do mercado de trabalho por conta do “lobby” de uma instituição que sequer existe formalmente, pois a OAB hoje existe de fato e não de direito.

Não esqueça que a OAB foi 1930 por Getúlio Vargas por meio do Decreto 19408 de 18 de novembro de 1930, em seu art. 17* e deixou de existir formalmente por conta da revogação contida no Decreto 11/1991 pelo Presidente Fernando Collor. E o decreto 20.784/1931 que regulamentava a OAB também foi revogado, portanto hoje a OAB não existe de direito e sim de fato.

* Decreto 19408/1930, Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, orgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.

Exame é obrigatório em todo território nacional

Para compreender a história do exame de ordem, é necessário saber que o antigo Estatuto da Ordem (lei 4.215/63) dizia que era necessário aos que quisessem se inscrever no órgão de classe, além do diploma de bacharel, certificado de comprovação do exercício de estágio ou de habilitação no exame de Ordem. Ou seja, o famigerado exame era facultativo.

Art. 47. A Ordem dos Advogados do Brasil Compreende os seguintes quadros:
(…)
III – certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras “a” e “‘b” e 53);

A lógica, então, era simples: não bastava, para o ingresso nos quadros da Ordem, a mera apresentação do diploma; as faculdades deveriam reaparelhar e melhorar seus currículos, para compatibilizá-los com a nova realidade. Caso contrário, naufragariam na falta de alunos, os quais optariam por dar preferência àquelas com altos índices de aprovação.

Primeiras aplicações

O Estado de São Paulo foi o primeiro a aplicar a prova, em 1971. O certame foi realizado em duas fases e reuniu poucos candidatos. Passaram a ser realizadas quatro edições por ano (março, julho, setembro e dezembro).

Os bacharéis em Direito formados até 1973 ficaram isentos de prestar o Exame, mas, em 1974, a prova passou a ser obrigatória em todo o Estado. Durante este ano, se inscreveram 211 bacharéis, sendo aprovados 154.

Novas disposições

Em 1972, a lei foi modificada, dispensando do exame de Ordem e de comprovação de estágio os bacharéis que houvessem realizado “junto às respectivas faculdades, estágio de prática forense e organização judiciária”.

Em 1994, então, entra em vigor o Estatuto da Advocacia e a OAB (lei 8.906), que tornou definitivamente obrigatório o exame de Ordem.
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
(…)
IV – aprovação em Exame de Ordem;
A partir daí, para ingressar nos quadros da OAB seria necessário ao bacharel em Direito, entre outros quesitos, a aprovação na prova. Cada Estado, no caso, tinha autonomia para aplicar os exames.

Unificação das provas

Em 2007, um novo movimento começava a ser visto nas OAB’s com relação ao exame de Ordem. Neste ano, em abril, 17 seccionais realizaram pela primeira vez a prova com conteúdo unificado. Quatro meses depois, em agosto, este número subiu para vinte.
Posteriormente, as demais seccionais aderiram à forma de aplicar o certame, que alcançou seu cume no terceiro exame de 2009, quando todas as seccionais da OAB realizaram a prova unificada. O Conselho Federal da OAB aprovou, em 20 de outubro de 2009, o provimento 136/09, que normatiza o exame de Ordem, unificando conteúdo e aplicação da prova em todo o país.

O Brasil tem hoje um contingente de 1,5 milhões de bacharéis em Direito que lutam pelo seu reconhecimento profissional. Todavia, amparado num Estatuto e numa “brecha” jurídica Constitucional, mal interpretada, a OAB segrega a classe dos advogados. A aprovação no curso de Direito em uma faculdade já é um processo penoso, são cinco longos anos, estágios, prática jurídica e uma série de requisitos para formar um advogado. Contudo, uma vez diplomados, os bacharéis devem se submeter ao Exame da Ordem, uma espécie de concurso público, que não mede a capacidade dos profissionais. Na prática o exame de ordem ainda não foi extinto, mas deverá ser profundamente afetado em suas finalidades pelo Decreto Decreto 9.745/2019.

*Gesiel Oliveira é Oficial de Justiça do TJAP, Bacharel em Direito, Geógrafo, Teólogo, Professor de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal Especial, Membro da Academia de Letras Evangélica do Amapá, ocupando a cadeira de nº 19.

Seles Nafes
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