Um encontro com a fome

Encontro com morador de rua provoca reflexões sobre solidariedade e conscientização sobre desperdício
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Crônica, por RODRIGO INDINHO

Quantas vezes já não estragamos comida sem nos importar com o dia de amanhã, sem imaginar se realmente existem aquelas pessoas que nossas mães se referem na tradicional frase: “Poxa, tu estragando comida com tanta gente passando fome no mundo”. Eu lhes digo: hoje tive minha visão sobre isso ao presenciar um morador de rua avançar num amontoado de lixo para ter o que comer.

A cena foi flagrada por volta de 8h30 da última sexta-feira (10), em um quiosque na orla do Bairro Santa Inês, em Macapá. Este repórter passava para fazer uma pauta também na zona sul. Mesmo atrasado, quando presenciei a cena do homem rasgando a sacola, retirando os detritos e colocando na boca, decidi fazer o retorno.

Busquei conhecer a história do homem que constantemente vejo perambulando pelas ruas da cidade e aparentemente tem problemas mentais. Eu disse: “oi bom dia, como é seu nome?”, ele só apontava para a comida estragada e fazia uns sons. Foi então que perguntei se poderia lhe dar comida, ele me olhou e disse “me dá”.

Falei para ele aguardar que eu voltaria, quando retornei com o alimento ele não estava mais ali. Meu outro compromisso havia sido cancelado e prontamente peguei meu veículo. Na chuva, comecei uma busca pelo rapaz na zona sul.

Após horas procurando, reencontrei o homem sentado no cruzamento da Avenida Xavantes com a Rua Leopoldo Machado, no Bairro do Beirol. Ele continuava sujo, com a bermuda rasgada e estava com uma marmita onde só tinham dois pedaços de calabresa que uma boa alma tinha lhe doado.

Objetos carregados pelo morador de rua. Fotos: Rodrigo Indinho

Morador de rua tem dificuldades de falar

Fui até um mercantil e comprei produtos de higiene, diversas frutas, cereais, biscoito e suco para o faminto que não fazia mais questão de usar a dignidade na hora de se alimentar. Desliguei o celular e tentei conversar com ele novamente, mas ele não quis falar, só sorrir e comer.

Sei que meu gesto não vai tirar esse rapaz — que nem sequer sei o nome — das ruas, mas tenho certeza que pude amenizar um pouco de sua grande fome e sofrimento.

O que aprendi com tudo isso? Aprendi que a velha frase tradicional estava correta: simples gestos podem tornar melhor o dia de uma pessoa, basta você querer. Seja gentil com seu próximo, hoje é ele, amanhã pode ser você.

Sentado em cruzamento, homem é reencontrado com resto de comida em um marmitex

Homem de aproximadamente 40 anos vaga pela orla de Macapá

Nota de Esclarecimento 

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) esclarece que o acolhimento de pessoas que moram na rua, com ou sem transtornos, é de responsabilidade das Prefeituras Municipais que devem oferecer albergues para elas.

A internação de pessoas nessa condição acontece apenas em casos de surto. Sendo assim, o paciente é encaminhado para o Hospital de Emergência para ser estabilizado e, depois de ser avaliado, se a equipe médica identificar a necessidade de continuar internado, ele é encaminhado ao setor de psiquiatria do Hospital de Clínicas Alberto Lima (Hcal), onde permanecerá até a sua completa estabilização

Seles Nafes
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