“Não existirá soja mais competitiva que a nossa”, afirmam autores de livro

Charles e Cláudia Chelala mergulharam no assunto e escreveram um livro que será lançado nesta terça-feira (13)
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Por SELES NAFES

Nesta terça-feira (13), no Museu Sacaca, em Macapá, os economistas e professores Charles e Cláudia Chelala lançam o livro “Soja no Amapá: História, economia e meio ambiente”. Considerada vilã no passado até pelo governo do Amapá, hoje a soja é vista como uma das maiores esperanças de aumento do PIB, que hoje tem uma irrisória participação do setor primário. 

Mas o  que o futuro reserva para a economia do Amapá quando impasses jurídicos deixarem de existir? E o que vai acontecer quando, finalmente, o corredor de grãos estiver funcionado? Veja na entrevista com Charles Chelala.

Nos anos 1990 a soja foi combatida por ambientalistas que eram contra a monocultura. Até o governo do Estado foi contra. Como a soja conseguiu dar essa virada e se transformar literalmente na salvação da lavoura?

É importante deixar claro que na década de 90 havia um certo temor que a soja competisse com a floresta, já que nas últimas décadas do século passado houve um grande desmatamento, principalmente na região centro-oeste decorrente do avanço do agronegócio. Diante disso, surgiu o temor de que a soja provocasse o desmatamento da Amazônia. Desde então, ocorreu uma série de mudanças na legislação e uma série de compromissos internacionais dos quais se destaca “a moratória da soja”, na qual a produção de soja se compromete a não adentrar em áreas de floresta tropical e apenas atuar em áreas de biomas como cerrado ou em áreas degradadas que já foram utilizadas, e que possam ser reaproveitadas para a produção de soja.

Charles e Cláudia Chelala: livro e contribuição. Foto: Divulgação

Perante isso, hoje se desenvolveu consciência, e no Amapá está em curso o processo de zoneamento ecológico-econômico para definir claramente quais áreas são propícias para a agricultura de alta escala. Estudos preliminares, realizados pela Embrapa já indicam que há pelo menos 200 mil hectares passíveis para a produção de soja, sem maiores impactos ambientais. Por isso, a soja hoje pode ser considerada a salvação da lavoura econômica do Amapá.

O que mais atrapalha os plantadores de soja: demora no licenciamento ou falta de financiamento?

Ambos atrapalham, porém, o principal obstáculo para o plantador de soja é a legalização fundiária. O Amapá não consegue legalizar as terras, nesse momento, por conta de um grande problema que nós chamamos no nosso livro de “imbróglio jurídico institucional”. A união transferiu as terras para o Estado, o estado iniciou um processo de geo referenciamento de preparação para registro dessas glebas transferidas, mas por uma série de razões esse processo como um todo teve dificuldades em construir consensos, e diria até uma certa morosidade por parte do governo do estado. Não houve ainda nenhuma legalização fundiária. Hoje existe até uma contestação se o Estado pode ou não pode legalizar essas áreas. Sem legalizar as áreas, sem ter o terreno titulado ele (plantador) não consegue um financiamento a custo baixo.

Amapá pode ter até 400 mil hectares de cerrado para plantar. Fotos: Seles Nafes

Colheitadeira enche caminhão em Itaubal: já exportamos 190 mil toneladas em 2018

O licenciamento é outro problema sério, porque foi feita uma estrutura de licenciamento no Imap (Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Amapá) que se chamou de licença ambiental única (LAU), que reduzia e simplificava o processo de licenciamento. No entanto, houve um erro nesse processo. Há uns dois ou três anos atrás, foi identificado pelo Ibama que não havia autorização de supressão vegetal nessa LAU. Hoje ela está corrigida, mas está reestruturando o sistema de licenciamento no Amapá. (…) Você não tem um processo com segurança jurídica e institucional para o investidor. Então, os principais problemas para o desenvolvimento da soja, para o desenvolvimento da economia do agronegócio no estado do Amapá são esses dois.

Onde a economia da soja pode chegar? Podemos nos tornar uma Lucas do Rio Verde (MT)?

Eu não tenho dúvidas de que a economia do Amapá pode vir a ser muito beneficiada com o processo de produção de soja. Tem um estudo da Embrapa, de 2014, em que ele estipula que o valor de geração de riquezas pelo agronegócio no Amapá pode chegar, em 2030 a um R$ 1,7 bilhão. Para um PIB em torno de R$ 14 bilhões, se observa o peso de que podemos ter na economia, que hoje é irrisório. O setor primário no Amapá hoje responde no PIB mais ou menos 3,3%, incluindo a silvicultura.

Então pode realmente dar um salto bastante interessante. No entanto, Lucas do Rio Verde (MT) que você citou, possui uma área para ser plantada maior que toda área possível de ser plantada no estado do Amapá, que pode a chegar, digamos, algo entre a 200 a 400 mil hectares. O que pode acontecer, deve acontecer e esperamos que aconteça, é que alguns municípios que hoje estão muito estagnados na sua economia saiam dessa situação. Vamos citar: Itaubal e Cutias. Podemos subir pra área rural de Macapá e Santana, podemos falar sobre Porto Grande, Ferreira Gomes, Tartarugalzinho, Calçoene, Serra do Navio, Amapá, Pedra Branca, esse municípios que tem de alguma forma um contato com a área de cerrado, né?

Soja estocada em propriedade de Itaubal no ano passado

Há pelo menos 20 anos o Amapá é visto como potencial corredor de exportação dos grãos do centro-oeste. Por que isso ainda não aconteceu?

Na verdade, não ocorreu porque você ser um potencial é apenas uma etapa. Você precisa ter infraestrutura para que isso se torne realidade. (…) Uma estratégia de logística, para que você pudesse escoar toda a produção de commodities em geral (mineral e agrícolas), exportar a produção do Brasil pelos portos do norte, foi pensada lá atrás no governo Fernando Henrique Cardoso. Só que foram feitas poucas obras estruturais para tanto. Agora, por exemplo, se o nosso porto funcionasse como porto de transbordo precisaríamos ter pavimentado a BR-163, que liga Santarém (PA) a Cuiabá (MT). Na verdade nem precisaria chegar em Cuiabá, mas sim chegar a Itaituba. Você precisaria ter a estrutura dos portos pronta pra receber grãos e tudo, enfim, essa estrutura nunca houve nos últimos 20 anos. Começou a haver agora, por isso que a gente estabelece a chegada da Cianport, que montou os três silos no Porto de Santana.

Posteriormente teve a vinda da Caramuru. Isso aí foram os elementos fundamentais que propiciaram a atração. Então observe uma coisa interessante: hoje o Amapá já tá exportando. Em 2018, foram 120 mil toneladas de soja altamente concentrada (pela Caramuru) e 67 mil toneladas de soja in natura (pela Cianport), totalizando quase 190 mil toneladas, o que representa 16% de toda exportação que sai de Santana. Existe uma petição forte por essa estrutura, por exemplo, se você for ver Barcarena e Vila do Conde (PA), ali onde tem toda uma estrutura, existem vários portos, vários silos, várias estruturas, a própria empresa do Blairo Maggi está lá e outras empresas. Nós também competimos com a Cargill, que está em Santarém. Então temos que disputar. O porto de Santana tem muitos atrativos que realmente podem ganhar parte dessa vantagem.

Charles Chelala: imbróglio jurídico e institucional

A Marinha estuda aumentar o calado no Canal da Barra-Norte. De que forma isso ajuda?

Vai ajudar bastante, pois a limitação do calado de 11 metros impede que navios acima de 50 mil toneladas passem pela barra norte. Aumentando a capacidade, você consegue reduzir o custo da exportação. A nossa soja, tanto a produzida no Amapá como a de transbordo, vai se tornar muito mais competitiva, internacionalmente.

O que motivou vocês a escrever este livro? Quais colaborações você teve?

Já há cerca de 4 anos Cláudia Chelala coordena o projeto de pesquisa na Unifap que se chama “A economia do Agronegócio no Estado do Amapá”. Esse grupo de pesquisa tem produzido muito na questão, tem participado de congressos nacionais de economia rural, tem publicado artigos em diversos periódicos nacionais. O prefácio do pesquisador Alfredo Homma fala isso, que é importante você escrever a primeira publicação sobre a transformação da agricultura do Amapá. Surgiu desse grupo de pesquisa a vontade de publicar algo importante nessa transformação da economia amapaense.

Produtores de soja encontram várias barreiras para escoar a produção

Foi difícil reunir dados?

No Amapá é extremamente difícil. Existem poucos dados consolidados e organizados. Grande parte da produção desse grupo de pesquisa são dados primários obtidos através de entrevistas e etc. No entanto, a gente está gerando novas informações e esperamos que as próximas pesquisas se tornem mais produtivas.

Vocês esperam que o livro tenha algum efeito prático sobre governos e iniciativa privada? Qual?

Sim. Esperamos que isso desperte primeiro nas pessoas que estejam estudando portfólios de investimentos. Que olhem para o Amapá como um importante local para se investir no agronegócio. Não vai existir no Brasil soja mais competitiva quando a questão estiver consolidada, pois nenhum local possui tanta proximidade entre a área de produção e o porto com relação aos mercados, isso interpretamos bastante.

Além disso, é importante destacar para os governos estaduais e municipais a importância de se criar um aparato jurídico e institucional para tanto. E também queremos estimular novas pesquisas, novos estudos nas mais diversas áreas, tudo que a gente produz de ciência deve ser publicado. Nossa ideia é tornar público isso que estamos gerando dentro da universidade do Amapá.

Seles Nafes
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