Sentinela Nortente: 30 anos do álbum que mudou a música amapaense

Evento em alusão aos 30 anos do álbum que mudou a história da música no Amapá ocorreu nesta sexta-feira, na Universidade Estadual, no Centro de Macapá.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Em 2019 o álbum Sentinela Nortente, obra prima de Osmar Júnior interpretada por Amadeu Cavalcante, completa 30 anos.

O álbum foi a primeira gravação em disco do movimento que por anos vinha se gestando entre poetas, letristas e cantadores do Amapá no início da década de 80. O Movimento Costa Norte, como ficou conhecido, cantou temas com ênfase na condição dos homens da Amazônia, das Marias lavadeiras, caboclos e ribeirinhos, lamentos e sonhos com cheiro de taperebá deste pedaço de Brasil.

30 anos depois, Osmar Júnior e Amadeu Cavalcante contaram ao Portal Seles Nafes um pouco dessa história.

O momento era de grande efervescência na Amazônia. Em Belém a cena musical estava estourando com Nilson Chaves e Vital Lima, após a fase de Fafá de Belém e Rui Barata. Havia Walter Bandeira e outros artistas.

Nilson Chaves, Amadeu e Osmar: Imagem da gravação do álbum, em Belém, Pará. Foto: Arquivo Pessoal

No Acre, Chico Mendes e sua luta viravam referência mundial. Ouro na Serra Pelada, final de ditadura e toda uma mistura que formaram o caldo e o contexto em que o álbum foi produzido.

“Essa riqueza toda e a gente totalmente dominado pela cultura americana, como ainda somos. Aí eu vislumbrei essa possibilidade. A vislumbrei com um pouco de consciência cooperativa naquela época. Colocamos os tambores de marabaixo para dentro, assim como surdo, bumbo, conga, eu sempre acreditei em uma influência caribenha sobre nós (…) e de Marrocos também, podes reparar que o Sentinela é cheio dessa história”, explicou Osmar Júnior.

Diário de uma motocicleta

Não foi uma viagem de Che, mas a imersão pelas entranhas do interior do Amapá foi decisiva para o poder da criação do Sentinela.

O poetinha do Laguinho fez uma viagem de motocicleta pelas estradas do Amapá até o limite setentrional. Foi no Oiapoque que sentiu pela primeira vez algumas influências sobre si.

Amadeu e Osmar comemoram o feito histórico. Fotos: Marco Antônio P. Costa/SN

“Senti o povo isolado, coisas estranhas do tipo secretas, tipo ouro, material radioativo. Na fronteira entrei em um quarto de hotel e um cara no quarto ao lado ouvia “Pecados de Adão” do Eloi Iglesias. Lembrei do antigo grupo “Nós”, que era eu, Amadeu Cavalcante, Val Milhomen e depois Zé Miguel. Tinha mais uma galera ao redor, Joaquim França, Edilson Moreno, Álvaro e Ivan Ribeiro, uma galera. Foi aí que vi que o Amadeu seria o cara para o Sentinela, pelo timbre, pela paixão dele por essa obra, porque ele é muito seguro na ideologia. Tava chegando a hora”. Explicou o compositor sobre a inspiração e sobre a definição de Amadeu Cavalcante como intérprete para o álbum.

“Foi uma turnê de dois bares (Lennon e Jana Bar), mas foi o suficiente para mudar a cidade. O Sentinela Nortente é uma opereta, uma obra musical político-social da Amazônia, que grita ao Brasil. Na carta toda errada de português na capa do disco, eu já falo que acabou a ditadura e agora nossas preocupações são a política social e a ecologia da Amazônia”, resumiu Osmar Júnior.

A ficha técnica do álbum que…

… marcou a Música Popular Amapaense

O álbum tem 11 faixas e foi gravado no estúdio Gravason, no centro de Belém. A banda foi formada por Zenor Silva nos teclados, João Batera na bateria, e Bebeto no contrabaixo, Edmilson na guitarra, Caio Duarte e as meninas do Marabaixo na percussão.

Osmar e Amadeu afirmam que o movimento teve seu primeiro importante registro naquele dezembro de 1989, ou seja, que o Sentinela Nortente teve sequência no “Vida Boa” do Zé Miguel, depois Val Milhomen com o “Formigueiro” e o “Revoada”, primeiro disco solo do Osmar, sendo esses os quatro discos basilares daquela nova música amapaense que surgiu do Movimento Costa Norte.

Amadeu Cavalcante

Amadeu Cavalcante, um garoto de vinte e poucos anos à época, chamava atenção por onde passava pela voz “limpa” de timbre muito agradável. O cantor conta que a pressão do público era grande para que as músicas que eles tocavam nos bares fossem gravadas em disco.

Sentinela Nortente: 30 anos

Como a cobrança só aumentava, era a hora de arregaçar as mangas. Depois de um levantamento dos custos e depois do primeiro “chá de cadeira” que os dois levaram em uma empresa atrás de patrocínio, Osmar, menos afeito à questões executivas, deixou a produção por conta do Amadeu.

“O Osmar disse pra eu ir atrás e que eu poderia gravar a obra e disse: eu só quero ir fazer a direção musical e fazer os arranjos, e assim fechamos. Me virei para conseguir os recursos, a primeira fase que era a gravação em estúdio, patrocínio para hospedagem, levar os músicos daqui. Na verdade, levei a metade da grana do estúdio, a outra metade os patrocinadores prometeram mandar pra mim e acabaram não mandando, foi um rolo, mas resolvemos. Foram seis períodos de seis horas para gravar tudo, um recorde de tempo para 11 faixas”, relembrou Amadeu.

Sobre a importância de ter sido parte do disco, o intérprete revela gratidão.

“O Osmar é um compositor fantástico, se você ouvir o álbum hoje ainda está muito atual. Essa sentinela de olho nos nossos minérios, cuidando das nossas riquezas. Para mim é muito importante e fico feliz de ter feito parte dessa história”, finalizou Amadeu Cavalcante.

Todas as músicas do álbum, com exceção de “Tajá” que é assinada em parceria com Fernando Canto, são assinadas por Osmar Júnior e tem as digitais do Amapá, da Amazônia e do Brasil da época de Sentinela Nortente, álbum que demonstrou que, apesar de planícies, não somos o fim do Brasil.

Os artistas prometem preparar novidades e, quem sabe, um grande show em dezembro para comemorar os 30 anos do icônico álbum que ajudou a mudar a música amapaense e que é um divisor de águas na cultura do nosso estado e da Amazônia.

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