Machado de Assis, não! Sobre a tentativa de censurar livros

Caso repercutiu nas redes sociais e agora é investigado pelo MPF. Machado de Assis e Mário de Andrade estão entre os autores que teriam obras recolhidas das escolas. Foto: reprodução
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Por JÚLIO MIRAGAIA

Esta semana, dentro da Secretaria de Educação do Estado de Rondônia, um grupo de técnicos produziu um memorando que previa a retirada de 43 obras clássicas da literatura brasileira e mundial das escolas públicas. A justificativa era que o conteúdo é considerado impróprio, pela secretaria, para o público infanto-juvenil das instituições de ensino.

Entre os autores que seriam, na prática, censurados estão Machado de Assis, Franz Kafka, Mário de Andrade, Sonia Rodrigues, Caio Fernando Abreu, Ferreira Gullar, Rosa Amanda Strausz, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Euclides da Cunha, Ana Lee e Carlos Heitor Cony, dentre outros.

Logo após o memorando ser vazado em redes sociais, a pasta apresentou versões conflitantes para o fato. Primeiro afirmando que se tratava de uma fake News, para em seguida reconhecer o ato, relatando que a ação não teria a anuência do titular da secretaria. O caso é investigado agora pelo Ministério Público Federal.

O problema, neste caso, está para além de possíveis responsáveis para a desequilibrada atitude. É um reflexo direto da situação que o país vive, em que o culto à ignorância está legitimado e, em todas as áreas, o conhecimento é questionado não para superação, mas para retroceder a conceitos dogmáticos e primitivos.

Memorando que vazou nas redes sociais: de Kafka a Machado de Assis. Obras deveriam ser retiradas das escolas. Imagem: reprodução

Para uma camada social importante de brasileiros, a terra é plana, direitos das mulheres é mimimi e não existe preconceito. Para esses, a literatura não serve e tem razão de ser tal raciocínio nessa raivosa e barulhenta bolha social.

As produções literárias são, em sua essência, transgressoras de seus tempos e expõem, direta ou indiretamente, quão ridículos e irracionais podem ser determinadas condutas sociais. A lógica é a seguinte: esse tipo de manifestação não pode inspirar os jovens do presente a desnudar o que hoje vivemos.

Semanas atrás, o agora ex-secretário nacional de Cultura, em pronunciamento, lançou um edital de incentivo às artes que estava devidamente sincronizado com esse “espectro”. No edital, as obras premiadas, entre elas obras literárias, deverão ser “heroicas”, “nacionais”, uma idealização que massifica a manifestação artística a um único propósito: que ela seja domesticada.

Secretaria voltou atrás após repercussão negativa. MPF investiga o caso. Foto: reprodução

Se um grupo de técnicos de uma secretaria de educação achou que ninguém acharia anormal recolher das escolas livros com o argumento de serem “impróprios”, que outro ato autoritário mais não estará naturalizado por aí que a qualquer momento se lançará?

No Brasil de hoje, parece ser de bom grado apoiar queimadas nas florestas, que torturadores sejam vistos como heróis e que o rock seja coisa do diabo. Mas Machado de Assis, não!

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