100 mil vidas: o negacionismo de 1918 e 2020

Na gripe espanhola, o o Brasil também perdeu dezenas de milhares de vida para a negação. Foto: Mauro Pimentel/APF
Compartilhamentos

Por ARTEMIS ZAMIS, empresário e articulista

Ontem (9), alcançamos a triste marca de 100.240 mortos pela pandemia da covid-19. São dezenas de milhares de famílias afetadas. Pais, mães, filhos que perderam seus entes queridos, famílias inteiras desestruturadas, amigos perdidos, comunidades sem seus líderes, cidades ainda com suas populações atordoadas sem assimilar com precisão o dimensionamento real do que de fato é a pandemia que neste momento nos aflige.

É fato que em uma pandemia certamente muitas mortes inevitavelmente poderão acontecer apesar de todos os cuidados, alertas, programas de governo e protocolos a serem seguidos. E quando não se tem nada disso, aí o caos é iminente. Infelizmente é o que ocorre em nosso país.

Há 102 anos, a Gripe Espanhola matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo mundo, sendo 35 mil delas no Brasil. Naquela época, como hoje, havia também os fanáticos e negacionistas que também como hoje foram os causadores da mortandade que poderia ter sido evitada.

O presidente Venceslau Brás demorou demais para tomar providencias, até porque também negava o potencial do vírus Influenza, causador do que se chamaria Gripe Espanhola e mataria seu sucessor Rodrigues Alves antes mesmo de tomar posse.

Segundo historiadores, declarações negacionistas tais como: “É só uma gripe e vai passar”, “vai contaminar todo mundo e não vai trazer grandes impactos”, “só vai atingir idosos e por isso é necessário isolar apenas os idosos para controlar o avanço do vírus”, eram propagadas pelo governo e autoridades da época em grande escala. Até o Quinino que também servia para o combate da malária era propagado na época para o tratamento do Influenza.

Era esse o Brasil de 1918.

Brasil 2020

Brasil 2020

Brasil 1918

No dia 18 de outubro de 1918, o jornal Rio Jornal publicava:

“O director da Saúde Pública, está evidentemente, abusando da paciência da população. O governo está na obrigação de fazer sentir ao incompetente administrador, que mais de um milhão de vidas não podem continuar assim à mercê do seu formidável desleixo, da sua extraordinária inércia e da sua incomensurável inaptidão administrativa. (…)”

As características do que aconteceu em 1918 e as de hoje no tratamento dado a pandemia da covid-19 são semelhantes, apesar de todas as grandes mudanças tecnológicas ocorridas em todo o mundo. A desvantagem é, sem dúvida, a maior rapidez na disseminação do negacionismo e das notícias falsas.

A vida das pessoas é o bem maior que se tem e todo governo tem a obrigação constitucional de cuidar para que todos, sem exceção, possam tê-la devidamente amparada pelo estado conforme prevê o Artigo 196 da Constituição Federal: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações para sua promoção, proteção e recuperação”.

A situação catastrófica pela qual passamos hoje é, sem dúvida, resultado desse negacionismo perpetrado pelo governo e seus seguidores. As cenas que diariamente vemos nas mídias de pessoas se negando a usarem mascaras, pessoas condenando o distanciamento social, duvidando dos números de mortos e contaminados, promovendo aglomerações, promovendo remédios sem comprovação científica de sua eficácia, são infelizmente uma das grandes causas de mais mortes estarem acontecendo.

Em julho, ato ecumênico em Macapá lembrou mortos. Foto: Rodrigo Indio

A ignorância, a maldade e a falta de caráter sempre foram nossos grandes inimigos na história das grandes tragédias mundiais. Foi assim na primeira grande guerra, no holocausto, e no fascismo na Itália de Mussolini.

Segundo Domingos Alves, especialista em estatísticas relacionadas com a pandemia, o número de mortos pode dobrar em outubro próximo. Ele critica duramente o governo por ser o maior causador de tantas mortes, por seu negacionismo e falta de medidas estritas para reduzir o número de contatos bem como a suspensão precipitada do confinamento.

É hora de um basta. Se para alguns, essa pandemia é negar sua gravidade e seus efeitos devastadores, para todos nós outros deve ser a oportunidade de lutarmos para conscientizarmos o maior número de pessoas possíveis sobre tudo que cerca a covid-19 que é ainda em grande parte desconhecida da comunidade científica mundial. A hora é de precaução, cuidados consigo e com todos da família. A hora é de cautela e de acreditar que a saída é pela ciência.

“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne e sangra todo dia” (José Saramago)

 

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!