Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, foi um dos mais geniais e populares artistas brasileiros de todos os tempos. Ajudou a construir uma das maiores manifestações culturais brasileiras, a quadra junina, que corta o Brasil rural e urbano de norte à sul.
Assim como em todas as regiões do país, a obra dele é muito apreciada pelas bandas de cá, do extremo norte. Mas o que pouca gente sabe – ou conta-se pouco hoje em dia – é que Gonzagão tem uma íntima história de ligação com o Amapá, tendo feito visitas ao nosso Estado por pelo menos 10 anos seguidos.
Sua relação com o Amapá é, também, sua relação com a família Nunes, especialmente com o primeiro governador do extinto Território Federal do Amapá, Janary Gentil Nunes, e com o seu irmão, o deputado federal Coaracy Nunes. Eles se conheceram no exército, quando Luiz Gonzaga ainda era um soldado.
Foi à convite de Janary que Luiz Gonzaga veio ao Amapá pela primeira vez, provavelmente em 1949, onde realizou um show no antigo galpão do então Aeroclube do Amapá – que ficava às margens da Rua Procópio Rola, atrás do complexo administrativo de secretarias do Estado. E todas as vezes que por aqui vinha, realizava shows em praças públicas.
O professor de história Célio Alício conta que foi na casa de Julião Ramos, junto com Raimundo Ladislau, que Luiz Gonzaga teve contato com o ritmo negro do Amapá. Encantou-se com o marabaixo e, posteriormente, fez uma versão, em baião, do famoso ladrão “Pra onde tu vai rapaz?”.
A versão de Gonzaga leva o nome “Marabaixo” e é bastante oficial, ou seja, fez coro com a política governamental, referendando as mudanças urbanísticas que estavam ocorrendo na Macapá da época com a retirada dos negros que viviam na frente da cidade para o atual bairro do Laguinho.
“Aonde tu vais rapaz? / Neste caminho sozinho / Eu vou fazer minha morada / Lá nos campos do laguinho / As ruas de Macapá estão ficando um primor / Tem hospitais, tem escolas / Pros fios do trabalhadô / Mas as casas que são feitas / É só pra morar os doutô / Dia primeiro de junho / Eu não respeito o senhor / Eu saio gritando vivas / Ao nosso governador / Me peguei com São José / Padroeiro de Macapá / Pra Janary e Coaracy / Não saírem do Amapá”
Além dessa canção, Gonzagão compôs uma música chamada “Macapá”, onde fala de um ritmo de dança que teria aprendido no Amapá. Em outra, bem mais famosa (Boi bumbá) em um refrão ele cita, novamente, a capital: “Ê boi, ê boi, ê boi do Macapá”.
Curiosidades
As histórias dão conta de que Luiz Gonzaga seria namoradeiro e tinha encontrado nestas terras algumas paixões. Em dada ocasião, teria ficado em segundo lugar durante uma contenda física direta, uma briga de bar, na disputa pela atenção de uma moça da cidade, o que teria lhe causado, inclusive, uma noite de detenção pela extinta Guarda Territorial.
Se essas histórias podem sofrer alterações com as corruptelas do boca à boca e do tempo, há outras que ele mesmo conta.
Foi Rudá Carvão Nunes, filho do ex-governador Janary, e o engenheiro Sérgio La Roque que nos mostraram o livro de Luiz Gonzaga: “Sanfoneiro do Riacho da Brígida – vida e andança de Luiz Gonzaga”. Na obra, Sinval Sá escreveu as memórias do Rei do Baião, inclusive de alguns capítulos de suas aventuras no Amapá, narrados pelo sanfoneiro.
O livro, que está na posse de Rudá, foi autografado pelo próprio Gonzagão: “D. Laurieta receba esta lembrança dos seus amigos Luiz e Helena Gonzaga. Rio, 8 de maio de 1975”. Dona Laurieta era avó de Rudá, mãe de Janary e Coaracy Nunes.
Hóspede oficial
Em um dos trechos em que cita o Amapá, Luiz Gonzaga conta da sua emoção pela cerimônia pomposa com que foi recebido ao chegar em Macapá pela primeira vez.
“Quando pisei na escada, ouvi o homenzinho fazer um gesto frenético e a banda disparar no dobrado mais bonito do mundo, pareceu-me, pois destinava-se a homenagear-me. Foi uma das homenagens mais comoventes, para mim, inesquecível delicadeza do Coronel Janary Nunes”, disse Gonzagão no livro.
Rudá relatou que as famílias não perderam o contato, seja no Amapá ou no Rio de Janeiro. Quando o pai tornou-se presidente da Petrobrás, a amizade com Gonzagão seguiu e, por encomenda de Janary, foi composta a música “Marcha da Petrobrás”.
Luiz Gonzaga faleceu em 2 de agosto de 1989, mas suas composições contam uma parte da história do Brasil e, como se sabe, também do Amapá.