De Beah à Beatrice: uma história de luta e transformação

Beatrice foi Beah Borges de Alencar, figura conhecida em Macapá, do rock, da alegria e das boas presepadas.
Compartilhamentos

Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

Na canção de Caetano Veloso “Dom de iludir”, o artista brasileiro fala “não me venha falar na malícia de toda mulher / cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Esses versos resumem bem parte da luta e da transformação de Beatrice Borges de Alencar, que acaba de ganhar sua certidão de nascimento com o nome que escolheu para si, de acordo com o seu gênero feminino.

Beatrice foi Beah Borges de Alencar, figura conhecida em Macapá, do rock, da alegria e das boas presepadas. Advertindo o repórter, disse que “não se pergunta a idade a uma dama”, mas confessou ter ultrapassado a barreira dos 45 anos.

Beatrice foi Beah Borges de Alencar, figura conhecida em Macapá, do rock, da alegria e das boas presepadas. Fotos: Arquivo Pessoal e Marco Antônio P. Costa/SN

Beatrice está em pleno processo de assumir seu gênero feminino, seu gosto por coisas femininas, como roupas e indumentárias. Talvez isso explique, também, seu gosto pela estética do glamour rock, vertente de bandas americanas que fazem um som hard rock, com um figurino e temática bem a cara dos anos 1980. Foi nesse contexto que nasceu a lendária banda amapaense “Madame Butterfly”, onde Beatrice foi baterista por ótimos anos.

Beatrice Alencar é funcionária pública, da Guarda Civil de Macapá. Ela esclarece que todo o processo tem sido abraçada pelos colegas, pelo comandante da guarda e pelo prefeito de Macapá. Está mais feliz, mas nem sempre foi assim.

Desde o final de 2019, Beatrice resolveu “botar o pé na porta”, como define sua decisão de assumir seu gênero feminino

O antigo Beah era conhecido em Macapá por se travestir e brincar com as pessoas. Muitas brincadeiras boas e saudáveis vieram daí, mas também muito preconceito, do tipo velado, ou mais escrachado.

Desde o final de 2019, Beatrice resolveu “botar o pé na porta”, como define sua decisão de assumir seu gênero feminino.

“Com 14 anos eu comecei a ver que tinha alguma coisa diferente. Essa coisa aos poucos foi ficando maior, mais intensa, e a minha adolescência foi boa, mas já foi um prenúncio de que ia ter problemas quando chegasse na juventude. Mas foi nesse período de pré-adolescência que eu comecei a ter contato com roupas femininas, primeiro da minha mãe, depois da minha irmã, mas como eu vim de uma família, não conservadora, mas tradicional, aí eu tinha que seguir aquele padrão de normatividade que foi eleito pra mim. Mas nunca tive problema, nem com o pai, nem com a mãe, nesse sentido, mas não falava nada, estava guardado dentro de mim, e ia se acumulando”, revelou Beatrice.

Beatrice fala aos muitos amigos que há um tempo de tolerância para que se acostumem com seu novo nome e gênero

Trangênero, mulher, lésbica e rockeira 

Esse processo de se conter e ser contida pelas normas e padrões dominantes trouxeram prejuízos na vida da transgênero. Ela relata que problemas de relacionamento, no trabalho, em casa e em várias esferas da vida, vieram daí, e hoje isso fica mais perceptível.

“Minha vida pessoal estava complicada por questões de relacionamentos, porque tinha essa coisa do meu gênero e eu sabia que era muito feminino, e eu não sentia, nem sinto, atrações por homens, não tenho a questão da homossexualidade”, contou Beatrice.

Beatrice gosta de mulheres, por isso se define como transgênero, mulher, lésbica e rockeira

O movimento LGBTQI+ explica e faz a diferenciação mais básica dessas definições. Uma coisa é o sexo biológico com que a pessoa nasce, feminino ou masculino, outra é a construção do gênero, como personalidade, no caso de Beatrice, feminino.

Uma terceira questão diferente é a orientação sexual. No caso de Beatrice, ela gosta de mulheres, por isso se define como: transgênero, mulher, lésbica e rockeira, pela preferência musical.

Burocracia

Beatrice agradece vários amigos e em especial a amiga Nádia Dias, que lhe ajudou com o caminho das pedras da burocracia brasileira, e à sua psicóloga, Isadora Canto, especialista em questões de gênero.

Beatrice agradece vários amigos, em especial à amiga Nádia e à sua psicóloga, Isadora Canto

Foi necessário conseguir diversas certidões, como da Justiça Federal, e encontrar o cartório em que havia sido registrada, no interior do Pará.

Mas deu tudo certo e na última quarta-feira (9), Beatrice Borges de Alencar recebeu sua nova certidão de nascimento. O documento de identidade, está em processo de confecção, assim como a mudança de toda a burocracia necessária, como a funcional.

Novo nome

Com o bom humor de sempre, ela fala aos muitos amigos que há um tempo de tolerância para que se acostumem com seu novo nome e gênero. Mas depois de um tempo promete “dar umas porradinhhas, senão o nome não vai pegar” – é Beatrice sendo Beatrice.

Beatrice mostra a sua nova certidão de nascimento com seu novo nome

Por último, após problemas psicológicos, muita autopunição e por estar finalmente mais leve, bem e feliz, Beatrice fez questão de deixar uma mensagem para quem, por ventura, possa estar passando por um processo parecido.

“Pessoas que estão em pré-depressão, ou mesmo depressão, por questões de gênero, de sexualidade, quero dizer que o mundo é grande, o mundo é pra todos e tem espaço pra todos. Se você estiver em um nível muito alto de problemas sentimentais e emocionais, você pode procurar ajuda psicológica e não se prenda, quanto mais tempo você ficar presa ou preso, dentro dessa cabeça que deve estar cheia de probleminhas, vai ser pior. Junte coragem, tome distância e meta o pé, recuar só pra pegar impulso”, aconselhou a feliz e divertida Beatrice.

Seles Nafes
Compartilhamentos
Insira suas palavras de pesquisa e pressione Enter.
error: Conteúdo Protegido!!