Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
O protesto “Vidas negras importam” reuniu centenas de pessoas, a maioria jovens estudantes, que ocuparam por algumas horas a frente do Comando da Polícia Militar do Amapá, na zona sul da capital, nesta terça-feira (22).
Os manifestantes protestavam contra a violência policial no estado, em especial o caso da pedagoga Eliane Espírito Santo da Silva, mulher negra de 39 anos, que foi agredida por um policial no último fim de semana. Vídeos dela apanhando do militar ganharam repercussão nacional nos últimos quatro dias.
Eliane também esteve no ato, que foi convocado pelo movimento negro do Amapá. Ela relembrou os momentos da agressão e falou, de forma calma, sobre a abordagem policial.
“Aquela reação da polícia pra mim não foi legal. Eu em momento algum desacatei nenhum deles. O vídeo em si mostra tudo, e quando eu atravessei a rua, eu iniciei o meu vídeo. O meu vídeo está no meu celular, é a prova de tudo, que eu apenas estava relatando que eles estavam revistando um menor de idade, que tinham batido no meu esposo e que minha sobrinha de 4 anos estava vendo toda aquela barbaridade que a polícia estava fazendo”, relembrou Eliane.
Acusações na internet
Nas redes sociais há um debate sobre a ação da PM e surgiram argumentos que defendem a conduta da guarnição, pois supostamente havia traficantes entre os abordados. Em relação a isso, Eliane declarou que estão sofrendo calúnias e que teme pela vida do irmão.
Ela disse que o irmão não estava dentro do carro que foi abordado e nem na casa, mas tem passagem pela polícia.
“Eu tenho um filho, de 22 anos, que era o que estava gravando o vídeo lá em cima. Estão falando que ele é traficante, e isso tortura a gente. Eu quero declarar, também, que a pessoa que estão postando lá no face, é meu irmão, não tenho vergonha de dizer que ele é meu irmão. Já se envolveu com droga? Já sim, mas ele pagou o que ele tinha pra Justiça, ele não deve nada para a Justiça. E outra, ele está se sentindo ameaçado, porque a polícia ficou passando a noite toda na frente da casa dele, para um lado e para outro”, denunciou a pedagoga.
Corregedoria
Na manhã desta terça-feira (22), Eliane prestou esclarecimentos à Corregedoria da PM-AP. Os militares estão afastados do policiamento desde o ocorrido, segundo a corporação. A pedagoga disse que foi bem tratada no depoimento.
“Foi tranquilo. Até porque eu tive o apoio jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AP) e me perguntaram para eu relatar o ocorrido, até porque no CIOSP do Pacoval, eu não tive essa oportunidade. No CIOSP eu só tinha duas opções: ou pagar uma fiança, ou sete horas da manhã ser encaminhada para uma audiência de custódia. Meu irmão opinou de pagar a fiança pra não ter que ir pro Iapen, porque ele tinha certeza que se eu fosse pra audiência, eu iria ser encaminhada pro Iapen”, finalizou Eliane.
A manifestação
A própria PM fechou a rua para que os manifestantes, que antes estavam nas calçadas, pudessem ocupá-la. O ato foi observado de longe e consistiu no revezamento das falas de diversos participantes de movimentos negros, sindicatos e associações.
Eles denunciavam que as agressões sofridas por Eliane não se tratam de um caso isolado, mas uma prática comum da PM do Amapá e seus batalhões, segundo os manifestantes.
Em um dos casos, Maria Eni dos Santos Rodrigues, de 48 anos, denunciou uma ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
“O que aconteceu foi que o Bope, no mês de dezembro, entrou na minha casa pra matar o meu filho, procurando o meu filho como quem procura uma caça para matar. Então, eles reviraram tudo na minha casa e como não pegaram meu filho, eles pegaram a minha nora e levaram ela pro quarto deles, pegaram ela, amarraram o rosto dela com um pano, abriram a geladeira e pegaram uma garrafa com água e derramaram na cabeça dela, desmaiaram ela, pra ela contar onde que estava meu filho. Reviraram toda a minha casa e me disseram: prepare a urna do seu filho, daqui com três dias iremos mata-lo, só a morte dá jeito nele”, contou Maria.
O filho de Maria Eni está vivo e preso por envolvimento com tráfico de drogas.
“Meu filho está preso, pela honra e glória do Senhor eu agradeço dele estar preso. Se errou, tem que prender e não matar, porque a vida quem dá é Deus e só ele pode tirar”.
OAB
A Comissão de Igualdade Racial da OAB-AP está acompanhando o caso e esteve hoje com Eliane Espírito Santo no seu depoimento na corregedoria da PM.
“Foram quase três horas de depoimento, até porque a gente fez questão que ela falasse tudo nos mínimos detalhes. Ela falou tudo sobre o fato, desde a casa dela até ela chegar no Ciosp, porque ela ficou uma base de 30 minutos, ela foi torturada, e ela falou tudo isso no depoimento”, declarou a advogada Maria Carolina Monteiro.
Para ela, caso o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto pela instituição comprove todos os excessos vistos nos vídeos, pode até resultar em demissão, embora, pessoalmente, ela prefira “não fazer juízo de valor”.
“Se o inquérito comprovar que houve excesso, abuso de autoridade, e deve ser aberto PAD, aí a pena máxima é demissão desses policiais, de toda a equipe”, finalizou Maria Carolina Monteiro, pela OAB-AP.