Vai piorar

Situação de usuários de drogas na orla de Macapá é apenas a ponta do fio de uma bomba social prestes a explodir. FOTOS: SELES NAFES
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Por SELES NAFES

No dia 28 de fevereiro de 2015, escrevi a crônica “Bicho de Sete Cabeças”, uma tripla alusão à música de Geraldo Azevedo; ao filme homônimo que conta a história de um usuário de maconha mandado para um manicômio (ótima história); e à lentidão do poder público em agir.

Naquele dia, policiais militares de boa vontade tinham comprado tijolos e cimento para selar um abrigo literalmente viciado embaixo do trapiche Eliezer Levy, num dos lugares mais valorizados de Macapá: a orla do Rio Amazonas, onde ficam atrações como o Complexo Beira-Rio e a Fortaleza de São José.

Havia anos que o lugar vinha servindo de albergue para moradores em situação de rua e dependentes químicos envolvidos em furtos e pequenos assaltos nos arredores. Mais de 5 anos depois, nada mudou. Na verdade, até mudou: o número de moradores aumentou.

As fotos são desta semana. Basta passar 30 minutos dentro do carro para perceber como o lugar debaixo do trapiche é intensamente habitado. Não dá para precisar quantas pessoas estão vivendo ali, mas são entre 10 e 15 indivíduos, incluindo uma adolescente.

No dia das fotos, ela estava recebendo a ajuda de uma adulta que deu uns ajustes no visual, incluindo cuidado com o cabelo, na mini saia e numa pequena bolsa. A menina, que aparentava ter no máximo uns 16 anos, ia sair.

Rapaz leva roupas “lavadas” para serem estendidas no complexo Beira-Rio. Fotos: Seles Nafes

Mulher ajusta visual de adolescente

Cenário fica ao lado dos pontos de visitação mais frequentados de Macapá

Minutos antes, também foi possível entender um pouco da rotina. O grupo demonstra funcionar em regime de cooperação. Um jovem ficou observando outra moradora lavar a roupa numa bica com água que saia da rede de esgoto pluvial.

Assim que ela terminou, o rapaz levou a roupa do grupo para estender próximo a um quiosque do complexo Beira-Rio, onde também fica a comporta que controla a vazão do Rio Amazonas para dentro do canal da Avenida Mendonça Júnior. Nesse local, também há moradores em situação de rua dormindo em papelões ou colchões.

Está mais do que provado que tijolos e cimento não resolvem. Mais cedo ou mais tarde, o buraco debaixo do trapiche será reaberto. É preciso abordar esses moradores, trabalhar no convencimento, oferecer uma oportunidade de tratamento e o próprio tratamento.

O entra e sai é frenético no buraco do Trapiche

“Moradores” do trapiche costumam também “reparar” carros

28 de fevereiro de 2015: policial conversa com usuário. Ao lado, acesso selado com tijolos seria logo reaberto

Alguns casos requererem a internação em clínicas ou centros como a Fazenda Esperança. Levar fé, seja de qualquer religião, também é essencial.

Não estou falando que é fácil de resolver, mas ignorar esse cenário nos coloca de frente para um horizonte que a curto e médio prazo será ainda mais difícil modificar.

O que acontece na orla de Macapá é um repeteco do que ocorre também em outros pontos da capital, como na frente da Feira do Agricultor, na zona sul de Macapá; na Feira do Igarapé das Mulheres, e em construções públicas abandonadas.

É uma bomba-relógio social alimentada pelo vício e omissão, prestes a explodir.

Seles Nafes
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