A comunidade onde as imagens foram feitas fica a 32 quilômetros de Macapá
Compartilhamentos
Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA
No Ariri, comunidade rural de Macapá distante cerca de 32 quilômetros da sede da capital amapaense, os botos encantam visitantes.
Acostumados com a presença humana, é comum, desde algum tempo, que eles façam interações com pessoas, inclusive buscando alimentos das mãos dos visitantes e nativos do local.
A região é repleta de sítios, geralmente usados aos fins de semana para o descanso e lazer de macapaenses. Foi em uma dessas propriedades que o “Seu Nenêm” e o seu genro Aldeli Sousa, gravaram momentos em que confraternizam e alimentam o animal.
Luana Ribeiro, filha de Seu Neném, explicou que têm esse terreno há cerca de cinco anos e no período de seca do Rio Matapi, os animais aparecem. Antigamente, esclarece, eram vários. Hoje, aparecem apenas dois ou três.
“Para que eles possam aparecer perto do trapiche, basta sacudir um peixe na beira, que logo vêm. Esse boto já está bastante acostumado com a presença de humanos”, explicou a advogada Luana.
Visitante alimenta e brinca com animal em trapiche de sítio. Foto: Reprodução/SN
Seu cunhado, Aldeli, contou que a aproximação começou com assovios e depois eles foram se acostumando cada vez mais. Um deles, tem uma marca de ferimento no bico, provavelmente causado por humanos numa tentativa de captura, por ação acidental, ou mesmo por maldade.
Boto-vermelho ou boto-cor-de-rosa
De acordo com a bióloga Danielle Lima, do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos (GPMAA) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o animal que aparece nas imagens é um boto-vermelho (Inia geoffrensis), também conhecido por boto-cor-de-rosa ou simplesmente boto. É uma das quatro espécies de golfinho de rio presentes na Amazônia brasileira.
De acordo com a pesquisadora, o boto-vermelho possui ampla distribuição. É uma espécie de cetáceo de hábito solitário, mas que pode viver em grupos de 2 a 4 animais.
O boto-vermelho, também conhecido por boto-cor-de-rosa ou simplesmente boto, é uma das quatro espécies de golfinho de rio presentes na Amazônia brasileira. Foto: GPMAA/IDSM
Agrupamentos maiores são observados durante o período de acasalamento ou quando encontram um cardume de peixe e se unem, temporariamente, para se alimentar. Entretanto, a única associação verdadeira se dá entre a mãe e o filhote.
De modo geral, as fêmeas são menores que os machos, que chegam a atingir 2,5 m de comprimento e 185 kg de peso. A coloração da pele do boto varia de acordo com fatores como idade e sexo. Juvenis são completamente cinzas, e vão perdendo pigmentação com o passar dos anos. Quando adultos, os machos apresentam a pele mais rosada que as fêmeas.
Relação com humanos
O boto costuma apresentar comportamentos que demonstram certa curiosidade em relação ao homem. Busca interagir com humanos quando se aproximam de pequenas embarcações regionais e com as pessoas durante atividades cotidianas de pescadores e moradores que vivem as margens de rios.
Bióloga Danielle Lima: “interação é fortalecida a partir do oferecimento de peixes, em consequência, o animal apresenta comportamento de confiança no ser humano”. Foto: Acervo GPMAA/IDSM
“A interação de pessoas com botos-vermelho tem sido documentada no estado do Amazonas, Pará e, nos últimos anos, no Amapá. Esta interação é fortalecida a partir do oferecimento de peixes aos botos. Em consequência, o animal passa a presentar um comportamento sugestivo de confiança no ser humano, apreciando até mesmo o contato físico”, explicou Danielle.
Alertas importantes
Uma vez que é estabelecida a relação de confiança do boto para o homem, especificamente para obtenção facilitada de alimento, a qualidade da vida do animal passa a depender das experiências individuais.
Enquanto em alguns momentos esta aproximação pode ser benéfica para o boto, a partir do êxito na obtenção de alimento, em outros, pode colocar a vida do animal em risco, quando buscam o contato com pessoas que não gostam deste tipo de interação.
“É uma faca de dois gumes”, ressalta Danielle.
Para a Dra. Miriam Marmontel, oceanóloga líder do GPMAA/IDSM, as interações baseadas na oferta de peixes têm o potencial de afetar a dieta do animal, bem como a frequência de visitação nos locais onde recebem o alimento, além da adaptação ao contato humano propriamente dito.
Para a Dra. Miriam Marmontel, oceanóloga líder do GPMAA/IDSM, as interações baseadas na oferta de peixes têm o potencial de afetar a dieta do animal. Foto: Adriano Gambarini / WWF Brasil
“Diversas pesquisas realizadas na última década indicaram que a interação com os botos no estado do Amazonas, realizada de forma desordenada, gerou consequências negativas tanto para os animais, como para as pessoas”, alertou Marmontel.
Essas consequências, podem ser no aumento da competitividade e agressividade entre os botos, e até mordidas nas pessoas que oferecem o alimento. Outra preocupação é que as pessoas deem tipos diferentes de comida para o animal.
Nesse sentido, o médico veterinário Luiz Sabioni, também membro do GPMAA e servidor do Instituto Federal do Amapá (Ifap), ressalta que em qualquer tipo de interação com animais silvestres há a possibilidade de transmissão de doenças, tanto do homem para o animal, quanto o contrário.
Luiz Sabioni alerta que na interação há a possibilidade de transmissão de doenças, tanto para pessoas quanto para o animal. Foto: Arquivo Pessoal
Sabioni reforça que ainda há riscos de desenvolvimento de doenças por ingestão de algo inapropriado pelos botos, como pedaços de pão, peixes congelados, de qualidade duvidosa ou sacos plásticos.
Em um dos vídeos disponibilizados nas redes sociais, nota-se que o animal no Ariri apresenta parte do rostro (“bico”) dilacerado. Essa lesão é característica de uma interação negativa e pode ter sido ter sido ocasionada por objeto cortante.
“Ou seja, o animal foi agredido por alguma pessoa utilizando, possivelmente, um terçado. Isto demonstra que nem todas pessoas gostam desta interação com o boto e, para afugentá-lo, o homem recorre a maus tratos”, alertou a bióloga Danielle.
O GPMAAA/IDSM, que atua em parceria com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa) em ações que visam a conservação dos mamíferos aquáticos no Amapá, demonstrou interesse em conhecer mais de perto a experiência e contribuir para que essa relação estabelecida seja sempre harmônica e benéfica tanto para o animal, quanto para o homem.
