Em 2020, a saúde mental do amapaense foi testada

No Amapá, além do isolamento social imposto pelo coronavírus e perda de entes queridos para a doença, os dias de blecaute também agravaram o humor coletivo das pessoas.
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Por MARCO ANTÔNIO P. COSTA

O ano de 2020 tem sido de grandes desafios. O mundo não passava por uma pandemia há cerca de 100 anos e todos os desdobramentos do enfrentamento à covid-19, com a mudança de rotina, isolamento social e perda de entes queridos, certamente atingiram a saúde mental de parte da população.

No Amapá, psicólogas consultadas pelo portal afirmam que houve o agravante do apagão e o racionamento, o que mexeu mais ainda com o humor coletivo das pessoas.

A psicóloga Anne Pariz tem 37 anos e há 10 anos tem um diagnóstico de transtorno de personalidade bipolar e boderline. Ela afirma que o isolamento, a preocupação com a família e a ansiedade gerada pela pandemia fazem com que sua condição fique mais sensível.

Anne Pariz afirma que o isolamento, a preocupação com a família e a ansiedade gerada pela pandemia fazem com que sua condição fique mais sensível. Fotos: Arquivo Pessoal e Divulgação

Ativista pelos direitos dos usuários da rede de saúde mental, ela conta que esse é o relato mais comum entre seus colegas e inclusive, opina, que mais pessoas começaram a apresentar variados graus de diferença em sua saúde mental durante a pandemia.

“Aumentou até de quem não tem patologia, de quem não tem problemas mentais. Nós tivemos que nos adaptar nessa nova rotina. Pra gente que tem transtorno é pior, porque para ficarmos bem temos que seguir uma rotina e tudo mudou. Imagina, filho em casa o dia inteiro, a ansiedade aumenta, e muitas pessoas têm reclamado de ansiedade, porque a gente fica com ansiedade de que isso passe logo”, contou Anne.

A psicóloga Luana Nunes, concorda com Anne. No seu trabalho diário, ela também percebeu o que chama de agravo.

Luana Nunes em uma das ações de saúde mental na Praça Floriano Peixoto

“A gente diz que agravou, que teve um agravo, porque as pessoas estão vivendo uma situação nunca imaginada antes. A pandemia não era esperada, então houve uma frustração em muitos âmbitos da vida, vida pessoal, profissional, os sonhos que tinham, as metas que tinham traçado para esse ano. Então, isso agravou para as pessoas que já tinham transtornos de ansiedade, depressão, os transtornos de humor e personalidade de forma geral. Esse agravo faz, por vezes, crescer a procura pelos atendimentos psicológicos e até psiquiátricos”, contou Luana.

Ela faz o alerta que cada situação tem uma particularidade e que o fundamental é a busca por apoio profissional qualificado. Mesmo assim, afirma que as mesmas mudanças, desafios e frustrações de 2020, fazem com que, no geral, tenhamos uma sensação de ansiedade, uma espécie de ansiedade “normal”, uma vontade de que tudo isso passe logo.

No Amapá, houve o agravante do apagão e racionamento, que mexeram mais ainda com o humor coletivo das pessoas. Foto: Rodrigo Índio/SN

Isto não pode se confundir com as crises de ansiedade ou outros transtornos, e as pessoas devem ficar atentas para alguns indícios que podem indicar que o correto seja a busca por ajuda profissional.

“Se eu começo a ter taquicardia, se minhas mãos começam a suar, que eu não consigo me concentrar, se eu tenho alteração de sono, do padrão alimentar, que eu não consigo interagir ou que eu tenho tido muitos vômitos, pode ser que eu esteja tendo uma crise de ansiedade, são sintomas compatíveis, mas não cabe ao usuário se autodiagnosticar, esse diagnóstico tem que ser feito por um profissional de saúde”, explicou Luana.

Luana Nunes: “A pandemia não era esperada, então houve uma frustração em muitos âmbitos da vida, vida pessoal, profissional, os sonhos que tinham”

Onde buscar ajuda?

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são a porta de entrada para a busca de atendimento. Há um infantil no Bairro Pedrinhas, zona sul de Macapá, o Caps Gentileza no Jesus de Nazaré, e o Caps álcool e drogas, que fica no Santa Rita, ambos na área central da cidade.

Em casos de crises agudas, os chamados surtos, a porta de entrada é o Hospital de Emergência de Macapá (HE).

Anne, que já tentou suicídio quatro vezes, mas hoje está estável e seguindo à risca seu tratamento, faz o alerta para a centralidade e importância do debate da saúde mental, tido por muitos como fosse uma questão de vontade, de escolha ou uma “frescura”. Em reunião com outros usuários, ela fez um relato:

“Estava passando mal, com um surto, meu filho ligou para o Samu e eles perguntavam ao meu filho se eu já tinha tomado remédio e eu já tinha. Então eles mandaram a gente esperar. Ligamos de novo e falaram para esperar mais. Eu já tinha tomado 4 R… [nome da medicação] e depois de muito tempo, eles vieram. Me deram uma medicação intravenosa, e só. Até aí, no atendimento de um surto, a gente sofre”, finalizou Anne Pariz.

Anne, psicólogos do Conselho Regional de Psicologia e outras dezenas de usuários têm se reunido para buscar melhorias na rede de atendimento psicológico. Nos últimos anos, medicamentos que antes eram gratuitos aos usuários deixaram de ser distribuídos. Os Caps têm perdido recursos e as comunidades terapêuticas têm ganhado preponderância em detrimento do atendimento na rede pública.

Foto de capa: Rodrigo Índio/SN

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