E os jovens que não têm uma porta para sair?

A Saúde Mental já vinha sendo um dos assuntos mais pesquisados e conversados, em decorrência da pandemia.
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Por RANDOLFE RODRIGUES*

No último domingo (7), acompanhamos atentos o jovem Lucas Penteado abandonar a 21ª edição do Big Brother Brasil. A saída aconteceu após uma série de situações de abusos psicológicos que foram televisionados e deixaram milhões de telespectadores perplexos no país inteiro.

Lucas, que hoje tem 24 anos, é ator, poeta, MC e slammer. É um daqueles jovens sorridentes, brincalhões, que costumam fazer sucesso nas rodas de conversa. No programa, no entanto, o jovem viveu um pesadelo. Foi isolado, teve sua sexualidade questionada e escuta negada direta e indiretamente pelos participantes do reality show.

No programa, o jovem viveu um pesadelo. Foi isolado e teve sua sexualidade questionada. Fotos: Divulgação

A situação fez uma pauta importante tomar proporções maiores do que vinha tomando nos últimos anos. A Saúde Mental já vinha sendo um dos assuntos mais pesquisados e conversados, em decorrência da pandemia. Por meio desse BBB, a pauta está alcançando um público que não enxergava ou evitava conversar sobre o assunto no Brasil.

É certo que apenas uma parcela da sociedade não conversava sobre isso. Existem movimentos e profissionais engajados no processo de humanização do sistema de atendimento à Saúde mental e, como de praxe, o atual Governo já se colocou como um dos principais inimigos dessa política.

No final do ano passado, o Ministério da Saúde deixou escapar sua intenção de revogar quase uma centena de portarias e regulamentos que estruturam, desde os anos 90, a Política Nacional de Saúde Mental.

A Saúde Mental já vinha sendo um dos assuntos mais pesquisados e conversados, em decorrência da pandemia

Lucas foi vítima de abusos psicológicos televisionados, que amplificam, de toda a forma, as violências que sofreu. Acontece que Lucas teve uma porta para sair. Fez a escolha certa, e fugiu de seus abusadores. Mesmo tendo acesso aos recursos disponibilizados pela produção, que conta com terapia e equipe médica, que já faziam dele, naquele momento, privilegiado, Lucas não aguentou e saiu. Pela sua sanidade, Penteado abriu a porta que lhe devolveria, de alguma forma, a paz que a vivência no programa havia lhe furtado. Mas e os milhões de jovens no Brasil que não têm acesso a uma porta de saída?

Ano passado, a Organização Mundial de Saúde, em conjunto com organizações parceiras, United for Global Mental Health e a Federação Mundial para a Saúde Mental, pediu aumento de investimentos em saúde mental. Isso porque dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), apontaram em 2020 que o mundo atravessava, junto com a pandemia, uma crise generalizada de saúde mental. São quase 1 bilhão de pessoas vivendo com algum tipo de transtorno mental, quase 3 milhões morrendo devido ao uso abusivo do álcool e uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio. A maioria destas, arrisco, sequer recebe atenção da família e dos amigos. O poder público executa a negligência que finda esse ciclo de forma constrangedora, e como são dores não televisionadas, como a de Lucas foi, são totalmente abafadas.

A faixa etária também parece ser um fator determinante. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), metade das doenças mentais começa em idade próxima aos 14 anos; o suicídio aparece como a terceira principal causa de morte entre adolescentes mais velhos (de 15 a 19 anos).

A Organização Mundial de Saúde pediu aumento de investimentos em saúde mental por conta da pandemia

Quando fui deputado estadual pelo Amapá, apresentei Projeto de Lei que criava uma ampla rede proteção às pessoas que vivem com algum tipo de doença mental no Estado do Amapá. Entre outras providências, o PL 3791/06, garantia prioridades, atenção e assegurava que, quando da construção de hospitais gerais no Estado, deveria ser requisito imprescindível a existência de serviços de atendimento para os pacientes que padecem de sofrimento mental-psíquico. E, mais recentemente, atuei de forma incisiva para evitar o “revogaço” promovido pelo Governo através do Ministério da Saúde. O ato que prometia retirar uma série de garantias e direitos desses pacientes, através de uma canetada.

Nossas políticas são falhas, e mesmo quando pautadas e criadas aqui, pelo Legislativo, carecem de estrutura e atuação do Executivo. Nossos filhos, irmãos, amigos não estão longe de serem Lucas. Vou além, nós mesmos, afogados em uma pandemia, não estamos longe de sofrer e ficar suscetíveis a abusos psicológicos.

O que podemos fazer para criar portas? Em primeiro lugar, precisamos criar portas que não sejam de saídas, mas de acolhidas. A fuga do sofrimento psíquico, nem sempre funciona a médio e longo prazo. As portas que devemos criar precisam estar, necessariamente, vinculadas à uma Política Nacional humanizada de Saúde Mental, que garante atendimento psicológico, humanizado e inclusive, psiquiátrico, quando houver necessidade. O lavar as mãos sobre esse tema, é a única forma de higienização que não pode ser incentivada nos dias de hoje.

Artigo originalmente publicado pelo Nexo Jornal no dia 13/02 – www.nexojornal.com.br

*Senador da República pelo Amapá, advogado.

Seles Nafes
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